SONETOS DO VIAJANTE.
1.
Ruas de paralelepípedo, extensas, bonitas,
Ladeadas por casarões antigos, históricos,
Igrejas de arquitetura única, magistral,
Era como se eu tivesse voltado no tempo.
Manhãs agradáveis, perfumadas,
Os passarinhos cantarolando nas árvores,
Transeuntes passando despreocupados,
Sorrisos em faces resplandecentes, alegres.
Adentrando em uma daquelas igrejas em
ouro preto fiquei extasiado, esculturas e
pinturas dos mestres da antiguidade.
Altares de ouro em face de um coração de
pedra tal como sou, viajante, um fugitivo
de tudo naquela agradável cidade histórica.
2.
Por um tempo indefinido,
Tempo fora do tempo e do espaço,
Este poeta desventurado foi viajante,
Errante peregrino em lugares diferentes.
Um fugitivo, alma assombrada,
Desejando desvencilhar-se de quimeras,
Fantasma aterrorizante do passado,
Nos altares da cidade histórica me escondi.
No entanto, lá estava ela, à espreita,
Tentei me ocultar, terrível era a
Visão diante desses olhos assustados.
Cada rosto refletia a face do anjo ledo,
Não houve como ficar naquele lugar,
Novamente eu era fugitivo e viajante.
3.
Êxtase diante do colorido dos casarões,
Aos pés da serra de São José fixada,
Refugiei na cidade barroca colonial,
Pareceu-me um lugar de grande sossego.
Novamente a natureza exuberante,
Ruas igualmente de pedras lavradas,
Em harmonia perfeita pássaros cantavam,
Os meus olhos a cada detalhe contemplava.
No entanto, a paz que momentaneamente
abraçou-me, repentinamente me deixou
assim como uma nuvem passageira.
Lá estava ela, em cada olhar,
Em cada sorriso, era o meu fantasma,
À espreita, me observando, me chamando.
4.
Cada face que diante de mim passava,
A cada sorriso ao encontro de meus olhos,
O colorido da cidade pareceu-me opaco,
Alegria no sorriso se desfez repentinamente.
A cada face que diante de mim passava,
Era o rosto da minha amada transfigurado,
Eu, poeta fugitivo, agora desesperado,
Não tive outra opção a não ser fugir.
O coração certamente enlouquecido,
No olhar uma tristeza infinita, profunda,
A alma como se estivesse trancada.
É o amor uma torre alta, escura,
De grades correntes e cadeados,
É o anjo ledo minha prisão perpétua.
5.
O meu coração se desfaz em angústias,
Intermináveis lamentos,
Lamúrias e descontentamentos,
Lágrimas correndo feito rios caudalosos.
É um fantasma do passado,
O anjo ledo que a muito me persegue,
Quimera vislumbrada em cada rosto,
Meu eterno tormento e desassossego,
Por esse motivo me fiz viajante,
Errante sem rumo pelos caminhos,
Buscando me livrar das correntes.
Grilhões infernais que me prendem,
Não tenho sossego e tão pouco descanso,
Eu a vejo na curva inocente de cada sorriso.
6.
A cada passo pesa tanto o pensamento,
Doendo muito lá dentro do peito,
Amor descomunal e sem jeito,
Dor infinita, indescritível sentimento.
Nas palavras riscadas busco alento,
À beira da estrada em uma mesa de bar,
A chuva caindo de mansinho na estrada,
Coração despedaçado, alma desnorteada.
Canto a dor em cada verso escrito,
Na tola ilusão de que ela os lerá,
Ilusão de que um dia ela me amará.
Sou o que jamais imaginei,
Poeta esquecido e desfigurado,
Tendo sempre o que não deseja ter.
7.
E novamente o fantasma do passado,
Com suas vestes longas e esvoaçantes,
Parada no umbral da porta do quarto,
Fiquei hipnotizado pela visão.
Eu ainda visitante na Pauliceia desvairada,
Cidade de movimento e vida noturna,
Com seus transeuntes tão apressados,
Cidade de todos os pecados e desejos.
Eu que pensei estar livre definitivamente,
Nesta cidade de luz, liberto do passado,
Das visões que tanto me atormenta.
Fui uma ilusão acreditar na liberdade,
O anjo ledo me acompanha todos os dias,
Meu ardente amor, penitente sentença.
8.
Caminhei solitário pelos bares da cidade,
Noites traiçoeiras, frias e solitárias,
O coração batendo angustiado no peito,
Sou apenas um vulto esguio na multidão.
Faces femininas por mim passavam,
O anjo ledo transfigurado eu enxergava,
O desespero tomou-me por inteiro,
Da minha própria mente sou prisioneiro.
Novamente, errante pelo caminho,
Vergonhoso poeta, alma flagelada,
Pés descalços na poeira da estrada.
O amor açoitando sem nenhuma piedade,
Tornou-se penoso viver cada triste dia,
Nos olhos lágrimas, no seio agonia.
9.
O coração do poeta ficou enlouquecido,
Transtornado com as visões do anjo ledo,
Agora prisioneiro no cárcere da mente,
Vivendo a cada dia o seu abismo.
Riscando na folha em branco suas palavras,
Ao curso da pena destinando o poema,
Na expectativa de aliviar as dores internas,
De trazer alento a alma moribunda.
Viajante de muitos lugares,
Fugitivo de cada um deles,
Todos os dias a mesma noite.
Infeliz poeta de mil ilusões,
Infeliz poeta em seus grilhões,
Pés descalços no caminho ermo.
10.
Todos se foram, a solidão ficou,
Aqui dentro nada mais restou,
Apenas as lágrimas e a insanidade,
Triste, caminhando sozinho na cidade.
O outono se foi, chegou o inverno,
O poeta vislumbra o próprio inferno,
A loucura ácida, corrosiva, infiel,
No começo doçura, depois terrível fel.
Canto nesses dias o que os anos
jamais alcançará, a dor infinita em
tanto se amar, flamejante flecha de ilusão.
Minhas palavras se perdem no vento,
Que seja declamado esse triste lamento.
Ah! Se eu tivesse dado voz a minha razão…