Retrato

“Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

- Em que espelho ficou perdida minha face?”

Cecília Meireles

Não tinha o rosto assim, silente, triste e amargo,

nem os sinais da dor que agora me eviscera.

Sulcado na aflição, nos ângulos da espera,

o meu semblante traz, da noite, o triste encargo.

Não tinha as frágeis mãos e nem, na voz, embargo,

nem o vazio olhar, nem boca tão severa;

o tempo quebrantou a minha primavera,

deixou em seu lugar o inverno pleno e largo.

Não tinha o coração assim tristonho e andejo,

perdido a se esconder do amor num beijo frio,

mas sempre a desejar que algum prazer o enlace.

Tão simples mutação agora eu entrevejo

na véspera do fim... pergunto (e me arrepio):

em qual espelho, amor, perdi a minha face?

Geisa Alves
Enviado por Geisa Alves em 18/06/2024
Código do texto: T8088264
Classificação de conteúdo: seguro