Retrato
“Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida minha face?”
Cecília Meireles
Não tinha o rosto assim, silente, triste e amargo,
nem os sinais da dor que agora me eviscera.
Sulcado na aflição, nos ângulos da espera,
o meu semblante traz, da noite, o triste encargo.
Não tinha as frágeis mãos e nem, na voz, embargo,
nem o vazio olhar, nem boca tão severa;
o tempo quebrantou a minha primavera,
deixou em seu lugar o inverno pleno e largo.
Não tinha o coração assim tristonho e andejo,
perdido a se esconder do amor num beijo frio,
mas sempre a desejar que algum prazer o enlace.
Tão simples mutação agora eu entrevejo
na véspera do fim... pergunto (e me arrepio):
em qual espelho, amor, perdi a minha face?