UM POETA DIANTE DO ABSTRATO

(Interação a UM SONETO PARA UMA PINTURA ABSTRATA, de Herculano Alencar)

Perdido nos traços que o soneto relata.

A mente não lê o que o olho está vendo,

Porque, enquanto a visão segue à frente, correndo,

Atrás vou buscando o que o retrato retrata.

A beleza que existe na arte abstrata

É que, embora distorcida, acaba sendo

Uma imagem concreta, com algum adendo

Que o artista imagina em seu barato.

Já o poeta fica em palpos de aranha,

Tentando com seus versos ver se acompanha

A abstração do abstrato pintor.

E ainda dar um jeito de dobrar a rima,

Para encontrar um modo de sair por cima

E terminar o verso falando de amor.

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SONETO PARA UMA PINTURA ABSTRATA

Abraçam-se amores-caracóis,

quais sombras sensuais do abstrato.

A alma se revela em um retrato

como fosse centelha de dois sóis.

A ceia do artista tinge o prato,

enquanto eriça o seio da paixão,

que, rijo, se entrega à mesma mão

que torna risco a risco um mesmo ato.

A poesia brinca em cada traço,

como se apertasse o abraço,

até chegar ao ponto de fusão.

E cá, do outro lado da vidraça,

há um poeta grato pela graça

de ter o privilégio da visão.

Herculano Alencar

Jota Garcia
Enviado por Jota Garcia em 31/05/2024
Reeditado em 31/05/2024
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