UM POETA DIANTE DO ABSTRATO
(Interação a UM SONETO PARA UMA PINTURA ABSTRATA, de Herculano Alencar)
Perdido nos traços que o soneto relata.
A mente não lê o que o olho está vendo,
Porque, enquanto a visão segue à frente, correndo,
Atrás vou buscando o que o retrato retrata.
A beleza que existe na arte abstrata
É que, embora distorcida, acaba sendo
Uma imagem concreta, com algum adendo
Que o artista imagina em seu barato.
Já o poeta fica em palpos de aranha,
Tentando com seus versos ver se acompanha
A abstração do abstrato pintor.
E ainda dar um jeito de dobrar a rima,
Para encontrar um modo de sair por cima
E terminar o verso falando de amor.
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SONETO PARA UMA PINTURA ABSTRATA
Abraçam-se amores-caracóis,
quais sombras sensuais do abstrato.
A alma se revela em um retrato
como fosse centelha de dois sóis.
A ceia do artista tinge o prato,
enquanto eriça o seio da paixão,
que, rijo, se entrega à mesma mão
que torna risco a risco um mesmo ato.
A poesia brinca em cada traço,
como se apertasse o abraço,
até chegar ao ponto de fusão.
E cá, do outro lado da vidraça,
há um poeta grato pela graça
de ter o privilégio da visão.
Herculano Alencar