TRILHA DE SONETOS CXXXV - DIÁLOGO COM A CANÇÃO "TEM GENTE COM FOME"
*TEM GENTE COM FOME*
Trem sujo da Leopoldina
Correndo, correndo, parece dizer
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Estação de Caxias
De novo a correr
De novo a dizer
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tantas caras tristes
Querendo chegar em algum destino
Em algum lugar
Sai das estações
Quando vai parando
Começa a dizer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Mas o freio de ar todo autoritário
Manda o trem calar
*Poema de Solano Trindade*
*Canção de João Ricardo*
*Interprete: Ney Matogrosso*
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*MENINO DE RUA*
No trânsito terrível da cidade,
Correndo dentre os carros, sol a sol,
Ganhava o seu dinheiro num farol,
Com garra e com total honestidade.
Na rua, sem família de verdade,
Dormia sem colchão e sem lençol
E o sonho de viver do futebol,
Morria, pouco a pouco, com a idade.
Cresceu. E, percebendo o seu estado,
Sentiu-se feito um bicho desprezado,
Um bicho que, talvez, de fato, fosse.
Um bicho carregando a sua carga,
Que para suportar a vida amarga
Debaixo do farol vendia doce.
RAFAEL FERREIRA
*BRISA IMPOSITIVA*
Quando urge o estado de necessidade,
O cidadão, no solo brasileiro,
É contemplado pelo mundo inteiro
Enquanto vige a lei da potestade.
Nas estações da vida, a mocidade
Declama, num refúgio alvissareiro,
Os versos de um poema hospitaleiro
Que está no sujo chão da realidade.
Talvez, somente após divinos raios
Não chorará a casta de lacaios,
À brisa impositiva do abandono.
Talvez, somente quando a educação
Raiar na adulta aurora da nação,
Não cairemos no nefasto sono.
Ricardo Camacho
*O TIGRE*
O tigre vai trilhando, na floresta,
A rota a reduzir a própria fome...
Em um rugido rouco, o espaço infesta
Do medo que lhe atinge e lhe consome.
De dentro para fora, a besta come
Os restos da esperança assaz modesta
Que, em cada rosto anêmico e sem nome,
O baço olhar nos diz que ainda resta.
Enquanto, em nossos lares, nossa ceia
Nos satisfaz a ânsia, pouca ou cheia,
Lá fora, alguém se deita sem comer.
E feito um grego herói, que a maça erguia,
Derrota a fera imensa todo dia,
Tamanha a sua fome de viver.
Guilherme de Freitas
*O MORADOR DE RUA*
O jovem, sob a ponte, desprezado,
carente, maltrapilho e tão sozinho,
revela no semblante o olhar cansado
e no seu coração o agudo espinho.
Quão triste vê-lo assim abandonado,
sem "voz", amargurado e sem carinho,
com a alma palpitante e o triste fado
a desfazer os sonhos, no caminho.
À margem do convívio social,
queixa-se do infortúnio, o desvalido,
dormindo sobre a cama de um jornal,
driblando o frio, a fome, e o desamor...
Mas sem perder da vida o seu sentido,
o verdadeiro espírito do amor.
Aila Brito
*MARIAZINHA*
Vivia pelas ruas da cidade,
a pobrezinha, a mendigar o pão,
mas como se invisível, ela não
era notada pela "humanidade"!
Levava, em suas mãos (na tenra idade),
a própria vida... em meio à solidão,
fazia algum recorte em papelão,
fingindo que brincava, na verdade
nenhum brinquedo teve em sua vida,
sempre viveu da "luta", proibida
de aproveitar o tempo de criança.
À noite, em sua prece, agradecia
a provisão e para o novo dia,
que Deus lhe enchesse os sonhos de esperança
Aila Brito
*NOS TRILHOS, UMA TRILHA TORTUOSA*
Pelos trilhos vai correndo o nosso trem…
não há vaga em meu vagão, vagueia a mente,
vendo a fome em cada olhar do irmão carente
(choro a dor do amigo, a sinto em mim também!)
Passo a passo, passa o tempo, segue além…
na cadência, canta o trem eternamente;
fere os brios, vê-lo assim… indiferente:
canta, canta, enquanto sofre um outro alguém.
Thuco-thuco, diz o trem na tal cantiga…
thuco-thuco, vai fingindo que nem liga,
mas percebo um tom-lamento na toada…
Ao reter o passo, o meu ouvido aguço:
sinto a mão que freia o trem e o seu soluço
a exigir que seja a sua voz calada!
Elvira Drummond
*FERROVIAS*
O trem que gente humilde transportou
Há muito tempo não trafega mais;
Deixou saudades, tantas, que jamais,
Nenhum poeta delas se livrou.
O trem deixou de andar, por onde andou,
Fez-se transporte exíguo, por demais,
Agora trilha em outros bons ramais
E, feito bala, em novo ciclo entrou.
Ainda bem que a face vil da fome
Tem sido pouco vista no Brasil,
Enquanto pelo mundo, atroz, consome
Os pobres de África e Ásia, por ganância.
Nações se desfizeram do carril
Descarriladas, sim! Por ignorância.
José Rodrigues Filho
*DO OUTRO LADO DA MURALHA*
Enquanto no banquete dado à elite
sobeja provisão, a dor se espalha
nos corações envoltos na batalha
que ainda nosso mundo se permite.
A busca pela mísera migalha
agrava um triste quadro e nos transmite
a sensação de um drama sem limite
vivido do outro lado da muralha.
Imersos em resquícios de esperança,
olhares desejosos de bonança
infestam legiões de desvalidos.
E, assim, a rouquidão de tantas vozes
enfrenta injusto prélio e seus algozes
abafam novamente os alaridos...
Jerson Brito