Miserere
Tive um sonho. Eu caminhava a passo lento
Por paisagem tão estranha quanto ignara
Quando meu caminho e meu olhar cortara
Um cadáver insepulto e lazarento.
Estanquei e o estudei por um momento:
Quase toda sua pele se despregara
E o rosto macilento, ossudo, congelara
Num mudo grito dum remoto tormento.
Ajoelhei-me – e, então, com carinho fraterno,
Acariciei cada úlcera que o corroía,
Aplicando em sua óssea testa um beijo terno –
Pois meu cérebro, no sonho, percebia
Que era aquele o cadáver sempiterno
Daquele homem que já fora eu um dia…