DEGRADAÇÃO / BAILE / ENREDO

(Recuperação de antigos sonetos que estariam perdidos para sempre em um incêndio, se não tivessem sido guardados por ela em uma pasta de carinho, antes mesmo que me confessasse o seu amor).

DEGRADAÇÃO – 06 ABR 79

Amor um dia, em gesto cintilante

Eu te entreguei qual áureo recipiante,

De seiva estuante e de esplendor frequente,

Qual estrela matutina e chamejante.

Meses depois, pediste casuarinas,

Para expor em tua sala à luz mortiça;

E ao deixar de ser bela, quebradiça.

Acinzentou-se em ramas peregrinas...

Não resistindo à geada matutina,

Furtada a estrela pela ventania,

Viçoso fora o nosso amor outrora,

Tornou-se cinza, tal que a casuarina;

E como a casuarina, veio um dia,

Em que tiveste de lançá-lo fora...

BAILE – 08 abril 1979

Tenho da vida grão ressentimento,

Pelo bem que não tive e não terei,

Pois tanta coisa de simples não gozei

Na hora aprazada e em seu gentil momento.

Fiquei aqui suplicando desatinos,

A mastigar aromas e perfumes,

Mesclados de palor e de azedumes

Pelo velório de sonhos peregrinos...

Que meus dias à toa se escoassem,

Que meus desejos nada realizassem

É afinal, destino bem comum...

Mas que eu fosse tão fértil em desejos!

Que desejasse, enfim, ter tantos beijos

Quantos sonhei e não vivi nenhum!

ENREDO – 7 abril l979

Pois fazer mil sonetos é bem fácil:

É não fazer o quanto mais se deve,

É nunca responder quem nos escreve,

É não aventurar-se ao bem mais grácil;

É ficar sempre isento de alegria,

É privar sempre de amor o coração,

É guardar-se somente na ilusão,

É fingir não sentir quanto sentia;

É maanter-se no escuro em claro dia,

É faminto ficar-se de desejo,

É pretender-se surdo à malodia;

É fugir-se do ardor ao puro ensejo,

É furtar-se aos aromas da elegia,

Para perder-se no sonho de teu beijo...