TRILHA DE SONETOS CXXXII - DIÁLOGO COM A CANÇÃO "CIDADÃO"
*CIDADÃO*
Tá vendo aquele edifício, moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Era quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz, desconfiado
Tu 'tá aí admirado
Ou 'tá querendo roubar?
Meu domingo 'tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer
'Tá vendo aquele colégio, moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai, vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
Essa dor doeu mais forte
Por que é que eu deixei o norte?
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava
Mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer
'Tá vendo aquela igreja, moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá foi que valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse
Rapaz deixe de tolice
Não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asa
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar
Composição: Lucio Barbosa
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*EDIFÍCIO DE AMIZADES*
O tempo passa... fica a minha história
Nas estações dos anos percorridos
Com marcas de derrota e de vitória...
Recordações que estão nos tempos idos!
Sangrando, na lavoura merencória,
Chorei as dores dos verões perdidos,
Sem nunca ter sentido a grande glória
De estar na classe dos reconhecidos!
Talvez, com este jeito tão sensível,
Jamais serei alguém reconhecível,
Imerso, pois, nas águas das saudades...
Contudo, sobre um páramo contente,
Eu construí o meu maior presente
Que vive no edifício de amizades!
Ricardo Camacho
*DO SONHO À DOR PROFUNDA*
O sonho me exilou do meu sertão,
molhou o meu clamor, me fez sozinho,
distante da família, do carinho,
cravando-me no peito a solidão.
Mas nada nessa vida passa em vão,
seja na calidez, na dor do espinho,
registros são urdidos no caminho...
e a cada passo, aprende-se a lição.
Mas a lição, às vezes, causa tédio...
Senti, ao terminar um belo prédio,
na pele, a humilhação arder profundo.
Ao terminar o sonho, no canteiro
de obras, curtindo o feito de pedreiro,
fui humilhado qual um vagabundo.
Aila Brito
*LUTA INGLÓRIA*
Cansado de uma luta assaz inglória,
carente, procurei a solução...
quis superar as crises do sertão,
reescrevendo, assim, a minha história.
Trouxe comigo: as dores, na memória,
a fé, em dissipar a escuridão,
o dom para ajudar na construção
e o bom auspício - luz na trajetória.
Pensei que, nessa selva de concreto,
encontraria o meu lugar, o afeto...
O pensamento, equivocado, jaz!
Arrebatado pelo grande feito,
fui confundido como um mau sujeito...
-- Veja o que a dura sociedade faz ! -
Aila Brito
*UMA SAÍDA*
As marcas da labuta, quando vistas
pela hediondez do olhar indiferente,
flagelam o sofrido combatente
que vê sangrado o elã dos otimistas.
O coração pranteia ao ver ausente
o afago pelo esforço nas conquistas
e pensamentos voam, saudosistas,
em busca do passado, tristemente.
Perdido no medonho labirinto
onde as paredes têm o seu desvelo,
daquele tempo antigo sente falta.
Memórias o atormentam e faminto
da Luz que aplaca o duro pesadelo,
conforta-se no Amor, a vida exalta...
Jerson Brito
*A INDIFERENÇA*
No mundo, a indiferença predomina,
tornando a humanidade tão omissa
que, surda aos fortes gritos da injustiça,
costura, no egoísmo, vã cortina.
A ânsia por poder é o que enfeitiça
e, aos poucos, o respeito se declina,
gerando divisões e triste sina
a tantos vitimados da cobiça.
Compete-nos buscar o essencial,
justica, paz e amor são nossos grãos
que nos transformarão em luz e sal.
A solução está em nossas mãos:
cultivo da amizade social,
pois todos neste mundo são irmãos!
Luciano Dídimo
*A MISSÃO*
A voz interior é tão maior…
desejos nos norteiam a missão,
qual bússola que aponta a trilha-mor
(inútil navegar na contramão).
A meta? Ser, de nós, versão melhor,
honrando o juramento à profissão;
no fundo, bem sabemos (e de cor):
o ofício brilha à luz da vocação.
Em cada profissão, há altruísmo:
se a mira está nos outros, rompe o abismo,
tecemos pontes…. busca-se a pessoa!
Sejamos qual as árvores, no abraço…
dão frutos, sombra e, em cada galho-braço,
acolhe e diz: só vive quem se doa!
Elvira Drummond
*INFORTÚNIO*
Um camponês, nascido no Nordeste,
Banido do torrão que tanto amou,
Depois que sua terra esturricou
Arrego foi buscar no irmão Sudeste.
Mudou de profissão, trocou a veste,
Na construção civil enveredou,
Mas a desigualdade lhe mostrou
Que a pena não valeu sair do Agreste.
Amargurado, assaz desiludido,
Notou que seu trabalho foi perdido
Nas muitas construções que pôs de pé,
Pois todas tinham preço para entrar
E, até nos templos, para visitar,
Cobrava-se uma taxa pela fé.
José Rodrigues Filho