DÍPTEROS AZUIS
DÍPTEROS AZUIS I - 6 SET 11
(URSULA ANDRESS)
Quando chegam o calor e o abafamento
é que os insetos prosperam e renascem:
o chão recobrem, o mar e até o vento,
que aos senhores da Terra então se alçassem.
E a todos nós tão só considerassem
como fonte natural desse alimento
as colheitas ou o próprio sangue e alento,
que retiram de nós e nos furtassem.
E neste tema demonstrei reiteração,
em tantos versos que a mente se me afunda
e que hoje busco em vão tornar bonitos,
porque encontrei tão só inspiração,
irredutível, enérgica e fecunda,
na neurótica canção desses mosquitos!...
DÍPTEROS AZUIS II
Os pais à mosquitinha preveniam
que não entrasse nas casas dos humanos
em que existiam mundéus os mais insanos
e mil perigos pelas frestas riam.
"Você não faz ideia o que sofriam
os nossos antepassados e até seus manos:
os moradores são nossos tiranos!
Quando os matavam, até se divertiam!..."
Mas ela era ainda adolescente,
ansiando pela glória e pela fama:
queria agitação e não as calmas...
"Mamãe, eu canto com minha voz potente
e quando chego perto de sua cama,
eles me ouvem e todos batem palmas!..."
DÍPTEROS AZUIS III
Outro dia, alguém tentou me convencer
de que eram os machos que cantavam,
enquanto as fêmeas é que nos picavam:
sangue precisam para se reproduzir...
Este final não irei eu discutir:
sei muito bem que as fêmeas me atacavam
há muitos anos e o sangue me sugavam;
mas a outra parte trato logo de esquecer...
Sei muito bem não serem cavalheiros
esses dípteros hemófagos noturnos:
vivem do sumo das plantas nos quintais
e penetram pelas frestas, bem ligeiros...
Porém os Culex prefiro a esses diurnos
Aedes com picadas mais mortais...
DÍPTEROS AZUIS IV – 14 janeiro 2024
Que Deus proteja então os meus mosquitos!
Que eles busquem apenas transfusão
involuntária, sobre as costas de minha mão,
retirando mil hemácias com palitos!...
Porém que não me igualem aos aflitos
afetados pela dengue ou à multidão
dos malarientos, em triste profusão!...
Terão os Anófeles zumbidos mais bonitos?
Que os Culex se reproduzam com vigor!
Eles me tiram, mas nada dão em troca
e das picadas facilmente sobrevivo!...
Enquanto os outros, em mágico esplendor,
dão a Maleita, a Febre Amarela, a Catabroca,
Terçã, Sezã e a quanto mais me esquivo!...
DÍPTEROS AZUIS V
Pois esses outros foram educados
que nesta vida tudo tem um preço
e assim irão nos demonstrar apreço,
de caloteiros sem serem acusados!
Para os fornecedores dos mercados,
essas gotas de vermelhos adereços,
das peles brancas e claras como gessos,
das peles negras a sestear sem mais cuidados.
“Nós pagaremos com nosso próprio sangue
E então devolveremos os parasitas
Que recebemos em compras anteriores!”
“Logo a seguir, retornaremos para o mangue,
e ovos poremos em honestas fitas,
tal qual fizeram nossos predecessores!”
DÍPTEROS AZUIS VI
“Para nós é até bom que eles adoeçam,
que enquanto ficam fracos e doentes
nossas picadas poderão ser mais frequentes,
que defender-se de nós até se esqueçam!
Que a distância de seus tapas não mais meçam,
quando os plasmódios atingem as suas mentes,
que os Flavivírus os deixam indolentes,
que nossos cantos ao seu redor mais cresçam!
Pois afinal são azuis nossos direitos,
sobrevivendo dessa humana gente
e os Arbovírus também são ecológicos,
os nossos primos Aedes albopictus são aceitos,
enquanto de nós, Aedes aegyptii, se ressente
toda essa gente em bipolares psicológicos!”
DÍPTEROS AZUIS VII – 15 jan 24
“Afinal, os flavovírus que lhes damos
são curáveis em geral e ainda se queixam!
Pior que nós esses plasmódios que lhe deixam
os Anófeles darlingi de seus pântanos!
Até piada esse nome em que os chamamos,
‘Darlings’ em inglês carinho e amor endeixam,
mas são protozoários que os enfeixam,
de sua malária os permanentes danos!
Esses humanos, afinal, são uns ingratos!
Pois seguem recebendo seus salários
durante o tempo de sua hospitalização!
Nós garantimos atestados mais baratos,
sem que precisem pagar aos salafrários,
que tanto cobram e só lhes dão falsificação!”
DÍPTEROS AZUIS VIII
“Nós, os membros da coorte pernilonga,
vos saudamos, humanos, nessa conga,
qual se fôssemos de importância secundária,
alimentados com inseticida atrabiliária!
Nós te rodeamos com nosso coro zumbidor,
para teu sono embalar quanto há calor,
somos mais hábeis que um grande violinista,
sem precisar de arco à nossa vista,
pois nós somos um exército valente,
de Chikungunya com bazuca bem potente,
as tuas paredes a cobrir, teto e cortinas,
atalaias de tuas Zykas e tuas sinas
e quando sofres dores em teus prantos,
nós te embalamos com nossos acalantos!”
DÍPTEROS AZUIS IX
Os dias frios de inverno me abandonam,
não que desgoste de algum fim de inverno,
porém já sinto estremecimento interno,
ao pensar nos calores que se assomam.
Os dias primaveris que tantos tomam
como sendo os mais belos no ar externo,
para mim são os arautos desse inferno,
que na canícula com fervor me domam!
Ai, bem quisera que as bênçãos estivais
pudesse destrocar com mais alguém
e receber outros tantos dias de frio!...
porque fui feito para as plagas hibernais
e não para o calor que me advem
tal qual tortura durante o inteiro estio!
DÍPTEROS AZUIS X – 16 janeiro 2024
E desse modo me tornarei escravo
dos nobres Culex desta minha região,
que bem depressa me veem e sugarão,
durante as noites de calor no travo!
Contudo, é bem melhor o fino cravo
destes jograis que me surgem no verão,
que tanto zunem com perfeita animação
do que esses outros de teor mais bravo!
Pelo menos, consigo imaginar
que sejam salmos de música barroca
que tais corais se põem a interpretar,
enquanto escuto sua melopeia rouca,
que nem precisam de fato harmonizar,
ao propagarem moléstias em minha boca!
DÍPTEROS AZUIS XI
Pois embora seja ideia corriqueira,
muito mais tais sanguessugas hoje eu vejo,
a aproveitar-se do menor ensejo,
para me abrir das veias a torneira!
E nem ao menos disfarçam seu desejo,
por alguma mosquitinha mais brejeira,
apresentam suas propostas em certeira
correspondência que me chega sem mais pejo.
Apresentam-me assim diversas contas,
pelas quais querem generosos honorários,
posso escolher da Dengue as percentagens
ou Chikungunya com que não me desapontas,
a Zyka a salmodiar-me seus breviários,
que compensem da Malária suas miragens.
DÍPTEROS AZUIS XII
Ainda existem às centenas tais mosquitos,
que me lancem suas picadas de malícia,
de inveja ou dolo, da maior impudicícia,
da calúnia ou dos zombares esquisitos,
pingando sangue em meus versos mais bonitos,
nesse afirmar que poesia não os atiça,
que outros alvos praticasse nessa liça,
preferindo ler a prosa e ouvir os gritos
dessas bandas modernas que esqueceram
da rima e ritmo e de outras qualidades
que até os mosquitos apreciavam no passado,
não que eu seja saudosista, mas perderam
a sutileza do vampiro e a qualidade
em sua estridência a disfarçar rapacidade!