DE MIGUEL E O DRAGÃO 10/24

DE MIGUEL E O DRAGÃO X – 21 DEZEMBRO 23

Cada Arcanjo iniciou o labor proposto

que para si houvera mesmo arbitrado;

não poderiam de outro modo ter cuidado,

perante Jehovah haviam-se disposto;

de que modo haveriam de desafiar seu rosto,

Dumael das crianças continuou encarregado,

sempre Uriel à vida humana dedicado,

sempre Azrael ao sepultamento predisposto.

Nada mais fez o Arcanjo Rafael,

senão compartilhar o dom divino,

do mesmo modo o mensageiro Gabriel,

a Caixas de Bênçãos e de Graças o destino

do dom celeste não puro quanto o mel,

de suas funções ainda em cuidado peregrino.

DE MIGUEL E O DRAGÃO XI

Mas Jehovah a tudo isto observava,

tal qual fizera desde o início da experiência,

já do futuro tendo a plena presciência,

mas quando a escolha a cada arcanjo dava,

os inseria no breve tempo que passava,

segundo o antes e depois de sua potência,

nas consequências de cada desinência

e cada Arcanjo fidelidade demonstrava.

E no que tange ao Monte São Miguel,

essa Montanha dos Sete Patamares,

a lenda corrente diz que ao Demônio ele lançou,

nas profundezas da Terra o seu quartel

e construiu seus portentosos elevares

sobre essa tumba da qual não se escapou.

DE MIGUEL E O DRAGÃO XII

Guy de Maupassant afirmou ter encontrado

entre os camponeses da Normandia outra versão.

Desta a seguir empreenderei a narração:

ficou Miguel a construir todo empenhado

e Luciel mostrou-se igualmente dedicado

a adquirir campos de cultura em profusão,

entre Cancala e Avranches na região

e em seu cultivo firmemente laborado

e realmente empregou os camponeses

e ainda ajudou muitas famílias dessa terra,

mesmo assim a adquirir um vasto ganho;

mas lucro algum teve Miguel, tão só revezes,

gastando todo o seu dote nessa serra,

a erguer pirâmide de singular tamanho...

DE MIGUEL E O DRAGÃO XIII – 22 dezembro 2023

Ali acolheu abade e monges numerosos,

somente com sua religião comprometidos;

donativos para os tais eram trazidos

pelos Normandos naturalmente dadivosos.

Havia pescadores bastante laboriosos,

os produtos de sua pesca concedidos,

para a mesa dos monges convertidos,

pouco vendendo por mais fossem valiosos,

mas Luciel, sem seu alvo abandonar,

a pouco e pouco dele distanciou-se,

passou moedas de prata a amealhar...

Miguel, quem sabe? Um tal lucro a invejar

ou honestamente querendo a avareza castigar

e a tal objetivo finalmente dedicou-se...

DE MIGUEL E O DRAGÃO XIV

No entrementes, Luciel cansou-se:

arar a terra é obra bem constante,

mas do resultado assim tão abundante,

a comer e a beber empanturrou-se;

capatazes para cada área então nomeou-se,

mas sua supervisão era incessante

e Luciel se aborrecia a cada instante,

com sua escolha finalmente desgostou-se.

Vendo Miguel como ele fácil engordava

e decerto nem podia mais voar,

arquitetou um engenhoso plano

e assim Luciel em sua mansão visitava,

com pouca coisa a se alimentar

e ouvia o outro diariamente a se queixar.

DE MIGUEL E O DRAGÃO XV

Um dia,durante a sua última visita,

que por falta do que fazer justificava,

uma proposta enfim lhe apresentava:

“Irmão Luciel, seu cansaço me concita.”

“Quem sabe, desses campos em que habita,

Doravante apenas eu me encarregava?

Nessa minha torre o ócio me cansava...”

“Mas o que ganha no labor que se habilita?”

“Bem, digamos, dividimos meio a meio

o resultado de seus campos no futuro?

Eu me encarrego de todo o labor duro

e lhe darei a sua metade de permeio...”

Mas Luciel ficou meio desconfiado:

“Como esse cálculo poderá ser realizado?”

DE MIGUEL E O DRAGÃO XVI – 23 dez 23

“Você me diz qual a parte a que se inclina:

quer o campo mais além ou o que está perto?”

Disse Luciel, pensando ser esperto:

“De toda a colheita, quero a parte que está em cima!”

“Então minha parte será bem pequenina...”

falou Miguel, parecendo um tanto incerto.

“Mas é o seu campo, então faremos esse acerto,

alguma coisa me há de sobrar da rima...”

Porém Miguel retirou-se satisfeito

e fez plantar pela extensão das geiras

batatas, cenouras, mandioca e coisa assim...

E ao se repartir o que Luciel tinha direito,

só havia folhas indigestas em suas eiras,

de Miguel o lucro foi completo assim!...

DE MIGUEL E O DRAGÃO XVII

Naturalmente, Luciel disso se queixou,

mas disse-lhe Miguel “Foi escolha sua!”

‘Mas como vou comer essa folhagem crua?”

“Vendo-lhe, então, parte do que me tocou.”

Luciel, contudo, não se conformou:

“Na próxima safra, a parte de cima é a tua!”

”Pois muito bem,” disse Miguel, “que não se argua!”

Mas muita prata de Luciel lucrou!...

Assim, no ano seguinte, ele plantou

trigo e cereais em grande quantidade,

mais morangos, ervilhas, melancias...

Para Luciel somente o que restou

foram raízes de pouca utilidade,

outra vez de Miguel a comprar as suas fatias!

DE MIGUEL E O DRAGÃO XVIII

Luciel ficou bastante inconformado

e dissolveu de imediato a sociedade;

mas com o descanso se acostumara de verdade,

perdera o gosto do trabalho em seu eirado!

E por dois anos por capataz foi enganado,

as culturas ceifando, por maldade,

durante a noite, a lhe roubar à saciedade...

Luciel, enfim, acabou sendo esfomeado!

Então Miguel veio fazer-lhe outra visita.

“Nosso negócio eu já dei por terminado!”

“Mas nestes anos, pouco ou nada lucrou!”

“Vejo que emagreceu em sua desdita...”

Porém Miguel tranquilamente o convidou

para um jantar em sua mansão bendita...

DE MIGUEL E O DRAGÃO XIX -- 24 dezembro 2023

Luciel aceitou o convite alegremente

e no outro dia a restinga ele cruzou

na maré baixa e só areia ele pisou,

um monge abriu-lhe a porta calmamente.

Comeu e bebeu bem desbragadamente

os frutos do mar que na mesa encontrou,

vinho de ostras que outro monge destilou,

até encher a sua pança totalmente!...

“Irmão Miguel, onde fica o seu banheiro?”

“Banheiro é coisa que não temos aqui,

terá de se aguentar até o fim!...”

Mas Luciel soltou um suspiro derradeiro

e urinou e defecou ainda sentado ali!...

Miguel mostrou-se então furioso assim!

DE MIGUEL E O DRAGÃO XX

“Esta é a casa de Deus, como se atreve?”

Luciel moveu-se então, tropegamente,

correndo em busca do portão, urgente,

mas a maré alta já chegara em breve!

E Luciel, a fim de se sentir mais leve,

soltou ali mesmo uma carga mais potente,

Miguel chegando atrás dele, já inclemente:

“Pagar o seu pecado agora deve!”

Luciel fugiu pelo longo corredor,

deixando um rastro por onde passava,

Miguel a persegui-lo bem de perto!

Patamar a patamar correu em seu terror,

até chegar ao andar em que acabava

toda a passagem, direto ao céu aberto!

DE MIGUEL E O DRAGÃO XXI

Miguel Arcanjo que voasse lhe ordenou,

mas Luciel não conseguia mais voar!

Pelas asas mirradas viu-se segurar

e Miguel até o continente o arremessou!

Contra um penhasco ele se esborrachou,

as suas feições até hoje vão mostrar,

todo alquebrado e torto a se arrastar

e a Normandia para sempre abandonou!

Em sua raiva, transformou-se no diabo

e desde então, ele só pratica o mal,

Miguel voou de sua torre tão erguida

e aos pés de Jehovah confessou o seu pecado,

mas Deus perdoou-o em sua bondade divinal,

para de Lúcifer a maldade ser por ele combatida!

DE MIGUEL E O DRAGÃO XXII – 25 dezembro 2023

Em outra versão, efetivamente São Miguel

cavou um poço no interior de sua “montanha”

e após o sucesso de sua armadilha tamanha,

lançou nele o pobre “anti-arcanjo” Luciel!

Todo o poço ele entupiu sobre o anjo rebel,

que ali ficara enredado em tal maranha,

até perder toda a gordura de sua manha

e sua preguiça se esgotar pingando em fel!

E bem possível que depois túnel escavasse

e assim pudesse a terra firme alcançar:

o fato real é que existe mal no mundo...

Boa razão para que cada um se desculpasse

dessa maldade do coração a rebrotar:

seja o diabo a inspirar tal mal profundo!

DE MIGUEL E O DRAGÃO XXIII

A iniquidade humana poucos querem aceitar,

mas há, sem dúvida, demônios em cada coração,

que pelos olhos e pela boca escaparão,

profundo o poço em cada mente singular.

Assim em Lúcifer foram Luciel mudar,

bem conveniente para a católica pregação,

de um modo algum ao humano inculpação,

é Satanás a querer nos devorar!...

Mas esse grande e apavorante adversário,

conforme consta no Livro de Job,

não é mais nada que um servo de Deus,

de forma alguma a ter poder tão temerário,

que do Maniqueísmo se importou sem dó,

sempre intenso em condenar os filhos seus.

DE MIGUEL E O DRAGÃO XXIV

De qualquer modo, é alegre essa legenda,

ainda que, na realidade me pareça

que foi Miguel, (que por santo não se esqueça!)

seja de fato o culpado em tal prebenda.

De Luciel que a preguiça e a gula atenda,

que na indolência sua alma desfaleça,

que no banquete sua fome ainda mais cresça,

são só pretextos para o castigo que pretenda.

Que desse crime é juiz e acusador,

carrasco enfim, aos humanos semelhante,

Miguel Arcanjo não é de fato um protetor,

mas neste dia do aniversário do Senhor,

Papai Noel é quem nos brilha, palhaço delirante,

que do Deus-Filho se olvide todo o amor!