RIO DOS VENTOS-
RIO DOS VENTOS I (29 abr 11)
Quando o Sol adoeceu, a Lua e o Vento,
seus dois irmãos, depressa se apressaram
e sob as unhas, logo lhe levaram
os restos de festins como alimento.
Doente o Sol, em pálido portento,
de cinza as nuvens assim se acumularam
e sem a luz solar, também murcharam
as plantas todas que serviam de sustento.
Mas para o Vento, não fazia diferença:
ele soprava até mais livremente,
erguendo poeira sobre a Terra nua.
Para sua irmã, sempre que nela pensa,
pode as nuvens afastar, bem facilmente,
deixando estreita passagem para a Lua...
RIO DOS VENTOS II
Porém o Sol enlanguescia, assim,
sem poder refletir-se sobre a Terra
ou nesse espelho que o Oceano encerra,
perdendo a própria luz nesse outrossim.
A Lua e o Vento cuidaram dele, enfim.
Um descobria os picos de alta serra;
trazia a Lua chás de luar, porém emperra
a saúde do Sol, já tão chinfrim...
Ele espirrava suas protuberâncias,
que se espalhavam até longas distâncias,
enquanto manchas em sua face se estampavam...
Tentava em Marte e Vênus refletir-se,
porém espelhos marinhos não mostravam
e o pobre Sol ia em sombras esvair-se...
RIO DOS VENTOS III – 6 novembro 2023
Tentou a Lua pratear a superfície
dessa camada de tantas nuvens gris.
Soprou o Vento pelo seu nariz,
mas não vencia das nuvens teimosia.
Bem ao contrário, em ato de estultície,
adensavam-se as nuvens... A vida perecia
e lá em cima, o astro-rei se enfraquecia
de seus esforços esvaindo-se a energia...
Já meio exausta, declarou a Lua:
"Irmão Vento, bem sabes que depende
toda a minha luz da própria luz do Sol...
Já estou me desgastando, quase nua:
toda a minha prata gasto e se dispende,
em nosso esforço de criar novo arrebol!..."
RIO DOS VENTOS IV
E disse o Vento, também meio extenuado:
"As minhas forças igualmente diminuem
sob essas nuvens que por demais flutuam.
O meu impulso de soprar de lado a lado
depressa se enfraquece. É o Sol alado
que aquece massas de ares que me imbuem;
são o frio e o calor que em mim atuam:
pelo contraste eu sou impulsionado.
E agora vejo que igual temperatura
se espalha firme sobre a Terra inteira:
esmorece o Equador; cada geleira
derrete sobre o mar sua água pura...
Sem frio e sem calor, para onde o Vento
poderá manifestar-se em seu portento...?
RIO DOS VENTOS V
“Vamos pedir socorro a três planetas”,
falou a Lua, “àqueles três gigantes,
Júpiter, Netuno e Saturno são impantes
de gravidade e têm forças secretas...
“Mas eu só posso ir até lá se me soprares...”
“Contudo eu,” falou o Vento, “extinguirei
no espaço sideral.” “Igual te ajudarei”,
falou a Lua, se em meu cerne te abraçares.”
Assim a Lua tomou o Vento nos seus braços
e lhe deu proteção em suas crateras;
o Vento assim a fez cruzar negros espaços
e os dois vogaram, nesses fortes laços,
até quando se esgotaram as esperas,
contemplando de Jove os nobres traços...
RIO DOS VENTOS VI – 7 NOVEMBRO 2023
“Que queres, pequenina?” Ele indagou.
“Os meus satélites vieste visitar?
Toma cuidado, posso te capturar,
serás mais uma em meu cortejo...” – se gabou.
Porém o Vento a cabeça levantou,
de dentro da cratera, a suplicar:
“Não, grande Júpiter, vem antes auxiliar
nossa missão. Foi o Sol que nos mandou.”
“Logo o Sol? E que quer ele comigo?
É um pontinho de luz bem afastado
e não me dá calor, pouco me atende
“esse pingo de luz que traz consigo,
ao passo que me deixa acorrentado,
por essa gravidade que me prende!...”
RIO DOS VENTOS VII
“Não percebes...? O que quer então o Sol?
Começou a enfraquecer-se de repente?”
“É fato.” “Mas a força da corrente
não diminui nem um pouco o seu crisol!”
“E mesmo que se apague o seu farol,
continuará a manter-me dependente.
É a sua massa que me prende, simplesmente
e não a luz que dizem brota no arrebol...”
“Mas é que há nuvens a Terra recobrindo,”
falou-lhe o Vento, ainda poderoso,
percebendo sob os gases seu irmão.
“Se negares o auxílio que estamos pedindo,
vamos a Netuno e a Saturno, em seu airoso
bracelete de anéis em multidão...”
RIO DOS VENTOS VIII
Sentiu-se Júpiter tocado nos seus brios:
“Sei o que queres, Vento, e te darei,
meus próprios ventos eu te emprestarei,
bem mais depressa percorrerão os rios
“que conduzem daqui, em longos fios
de linhas magnéticas. E os recuperarei
bem facilmente, depois que esse “astro-rei”
tiver sido restaurado aos velhos cios...”
Logo de sua hoste de massa gasosa
dezenas de ventos frios e orgulhosos,
a um aceno de Júpiter, curiosos,
empurraram a Lua e o Vento em vertiginosa
carreira que logo os trouxe até a Terra,
que o colchão de nuvens ainda encerra.
RIO DOS VENTOS IX
Rapidamente, tais ventos joviais
espalharam as nuvens e fizeram
com que nas águas dos mares se espalhassem,
mostrando a Terra em rochas e cristais.
Cumprida sua tarefa, ainda cordiais,
se despediram e em júbilo voltaram
para Júpiter, sem que mais se demorassem,
deixando a atmosfera em naturais
passagens para a luz de cada estrela
e o Sol se refletiu contra as areias
e contra o gelo guardado nas geleiras
e a Terra se aqueceu, sem mais aquela,
a Lua derramou prateadas teias
e o Vento percorreu da terra as eiras...
RIO DOS VENTOS X -- 8 nov 23
Fortalecido o Sol, foi percorrendo
a Terra inteira, paisagem por paisagem,
provocando o seu calor toda a miragem,
a relva e as árvores todas renascendo,
a Lua em seu avanço se escondendo,
humildemente, dando-lhe passagem,
enquanto o Vento impulsionava sua viagem
pelos ares que o Irmão Sol ia aquecendo.
Contudo, quando o Sol olhou o Oceano
e de cinzas viu que estava recoberto,
não conseguia nas águas refletir-se...
Por certo as águas, no decorrer de um ano,
deixaram novamente o mar aberto,
a cinza inteira usando em seu nutrir-se.
RIO DOS VENTOS XI
Porém, enquanto tal não ocorria,
o Sol, em pleno avanço, já hesitou,
a Lua com preocupação o observou
e até o Vento pouco a pouco esmorecia.
Não obstante, seu sopro prosseguia,
até que o Sol, finalmente, iluminou
a erupção de um vulcão e detectou
qual fora a origem dessa cinza que o tolhia
e lançou-se firmemente sobre ele,
o Vento as novas cinzas espalhou,
enquanto a luz da Lua o esfriava,
com raios de luar que assim congele
essa lava que tanto mal causou,
enquanto o Sol ao vulcão domesticava.
RIO DOS VENTOS XII
E muito embora o vulcão se rebelasse,
dos três irmãos o seu poder conjunto,
o esmagou e extirpou como um defunto,
sob a lava endurecida que o tampasse.
Porém não foi o fim dos males desta classe:
outros vulcões retomarão o mesmo assunto
e alguns até poderão explodir junto,
ao Sol cobrir de novo a loura face.
Quando isto ocorre, há grandes extinções
de mil espécies, que somente deixam
seus esqueletos tétricos em aviso,
de que existem meteoros e explosões,
mas que a lenta evolução assim enfeixam,
sobre o solo dos mortos que ainda piso.