*** TRILHA ABSC 1 - SONETOS ***
*AMPULHETA*
A areia ali se move lentamente
Neste artefato frágil e incolor...
E em sua ação mecânica e silente,
Vai alcançando o bojo inferior.
Os grãos de areia nunca irão se opor
À lei da gravidade contundente...
Transcorrem, exercendo seu labor,
Cumprindo sua sina, tão somente.
Naquele artigo que hoje adorna a sala
A areia nunca volta, nunca entala
E vai, por ele, sendo consumida.
O tempo, em categórica faceta,
Trabalha assim, conforme essa ampulheta,
Levando, pouco a pouco, nossa vida.
Gilliard Santos
*FLORAÇÃO*
Ainda que capine a dor no peito
e extirpe todas ervas tão daninhas,
não posso remover das “terras minhas”
alguns ressentimentos… (de que jeito?)
Ainda que revolva o campo eleito
à cata de vegetações mesquinhas,
a força de tais plantas, se vizinhas,
parece enraizar o meu defeito…
Mas quero, ao adubar o meu terreno,
que a terra se renove no sereno,
que o céu, lacrimejando, lave o chão.
Que a graça de orvalhar cada esperança
devolva a luz… (quem sabe a vista alcança)
e traga um novo tempo em floração!
Elvira Drummond
*VIGÍLIA*
Desmaia a luz e a tarde, adormecida,
Na rubidez pungente do poente
Que trouxe a treva rútila, regente
Da etapa escura e gótica da vida.
Abaixo da redoma enegrecida,
A noite expande-se na lei vigente,
Mostrando um ponto tão tremeluzente
Da chama de uma estrela esmaecida.
Bem perto, a lua, em nébula abraçada,
Caminha em direção à madrugada,
Na solidão do espaço encantador...
Vagando calmamente em horas calmas,
Na dimensão sonífera das almas,
Prossigo distraindo a minha dor.
Ricardo Camacho
*VELHO CUCO*
Na sala, o velho cuco bate as horas,
com a mesma precisão que vai marcando
o espaço entre os ocasos e as auroras,
no compasso em que a vida vai passando.
Velho cuco, na sala onde tu moras,
nem chegas a notar, de vez em quando,
que a vida, alheia a atrasos e demoras,
no dia a dia foi me abandonando.
Na poltrona do velho casarão,
o relógio me causa irritação
e o canto pontual me põe maluco.
Fiquei sozinho, ao fim do meu viver,
e, indiferente a todo o meu sofrer,
bate as horas, na sala, o velho cuco.
Arlindo Tadeu Hagen
*MAL SECRETO*
"Se a cólera que espuma, a dor que mora"
No peito de garota, adormecida,
Enfim viesse a ser desconstruída
Pela paixão, sem par, vivida outrora.
Esquecerias o ódio que rebora
Ao teu redor purgando a tua vida...
Lembrando o quanto me entreguei querida!
Pois meu amor perdura até agora.
Sei que a vingança não te vai curar!
Careces reviver o dom de amar...
Lembrar! O quanto foste dadivosa.
Se a tua mágoa não ceder, jamais!
Decerto penarás, ainda mais,
"Em parecer aos outros venturosa".
José Rodrigues Filho
*AUTUNESCÊNCIA*
De pouco a pouco, o outono vai mostrando
À Natureza, os cíclicos enredos,
Enlanguescendo as florações, drenando,
O víride vivaz dos arvoredos...
Variados ancenúbios vão borrando,
A tela desses núperos degredos;
Onde os jardins, repousam relembrando,
Os tenros dias, estivais e ledos.
Assim, tal qual as estações, a vida,
Em um espelho símil se apresenta,
Sob uma orgânica ordem definida.
Pois, diante o tempo, e a foice tão voraz,
A fauna, a flora, o humano ser lamenta,
A primavera que ficou pra trás.
Derek Castro
*DEPRESSÃO*
Embora fosse rico em ouro e prata
E a todos se mostrasse alegremente,
Andava mascarando a dor pungente
E a angústia que julgava ser inata.
"Liberta-me da dor que me maltrata",
Pedia em oração amargamente,
Mas não lhe respondia o Onipotente.
"Por certo, Deus me deu a cruz exata!"
Porém, enquanto estava em sua lida,
Tomou-lhe a ideia vil e suicida,
Que a mente acalentou de forma incauta.
Morreu, depois de dois ou três cigarros,
Citando o grande Manoel de Barros:
"Tem mais presença em mim o que me falta!"
Rafael Ferreira
*INSTÁVEL*
O tempo, que nos prende em sua grade,
traz, alternadamente, bem e mal.
Não leva em conta gosto nem vontade;
espalha amor e dor, em dose igual.
Quem busca abrigo sólido, em verdade,
nem sempre alcança a salvação total,
pois chega, sorrateira, a tempestade
e faz da vida intenso lamaçal.
Não há, de fato, em nada, infelizmente,
o que garanta acerto permanente.
É muito instável nossa travessia!
As chances de vitória ou de fracasso,
descobriremos sempre, a cada passo,
na estrada em que seguimos, dia a dia.
Fernando Antônio Belino
*ESPERAS*
Suplicam asas, numerosos pares,
estes desvairos do juízo, implumes,
porque me atingem, da lascívia, os gumes,
brilham banquetes de carnais manjares.
Se eu te levar, invadiremos ares,
infinitudes da paixão, ardumes;
abraçaremos vendavais, perfumes,
para Afrodite levantando altares.
Senhora, vem extravasar teu gosto,
deitar a seiva, colorir meu rosto,
apaziguar um coração aflito!
Tua presença me alimenta feras,
amansa lábios, adocica esperas
e satisfaz enclausurado grito.
Jerson Brito
*AS TRÊS VIRGENS*
Na torre da basílica ressoava
O dobre do sineiro dos finados.
Três virgens em caixões negros, lacrados,
Seguiram rumo ao pátio onde aguardava
Um padre, que o velório preparava
Com preces, cruzes, flores e recados;
Dizendo: — Pobres filhas dos pecados!
E, quedo, o sacrossanto soluçava...
E, vendo aqueles corpos das defuntas,
As urnas, debruçou-se de mãos juntas,
Achando aquelas moças parecidas;
O pobre caminhando até Jesus,
Pregou-se no lugar da velha cruz;
As virgens eram santas falecidas.
Nestório da Santa Cruz
*ESCULTOR DAS IDEIAS*
Olho p’ra folha em branco como olhava
Michelangelo a pedra em que se acende
A centelha da ideia que transcende
A superfície austera em que se achava.
Dentro da pedra a forma se encontrava
– A pedra que ele corta e lixa e fende
Da qual Davi aos poucos se desprende
Na exata compleição que imaginava.
Da rocha dura e tão rudimentar
Munido de um martelo e de um cinzel
A estátua libertou tão habilmente…
Meu Deus! Também eu quero libertar
Munido de caneta e de um papel
A ideia que está presa em minha mente!
Creitom D. Oliveira
"PÁSSAROS" SEM RUMO
Feliz é o ser que encontra em seu caminho
doce aconchego e segue, vida afora,
sem conhecer a dor de estar sozinho,
exposto ao desabrigo, que apavora.
Há “pássaros” sem asas e sem ninho
– somente o sonho voa, quando aflora...
No mundo perambulam sem carinho
e a sorte, inexorável, os ignora.
Não falo, aqui, dos pássaros que cantam,
nem das revoadas rápidas, que encantam,
mas, sim, daqueles onde a mágoa assola...
Dos muitos “passarinhos” desnorteados;
no alçar do voo incerto, encurralados
e, em meio às penas, presos na “gaiola!...”
Lucília Decarli
*FANTASIA*
Na casa tosca e pobre a mesa parca;
coração cheio e mãos sempre vazias...
Fartura de ilusões e fantasias
no reino em que, soberbo, eu fui monarca!
Por sobre a areia fina dos meus dias
o tempo deslizou deixando a marca;
sulcos profundos que o meu pranto encharca
quando o passado volta em noites frias!
Como era doce a antiga brincadeira...
Meu trono: um simples banco de madeira,
e de esperanças meu castelo eu fiz!
Hoje, à mercê da vida que me afronta,
já não sou mais o rei do faz-de-conta,
já não sei mais brincar de ser feliz!
Pedro Ornellas
*IN TENEBRIS*
Hirta e morta. No leito em que adormeces,
Como vencida dum febril letargo,
À flor dos lábios pairam surdas preces,
E a sombra fria de um sorriso amargo.
As mãos postas em cruz, que as negras messes
Cingiam neste mundo - o duro embargo
- Entre festões de luz e astrais quermesses
Hão de colher estrelas no céu largo.
Ela morreu, se libertou do mundo...
De súbito ouço num murmurio antigo,
Ao vê-la queda num dormir profundo.
Velho Desejo que me fala ao peito:
- " quem dera, lado a lado estar contigo,
Se este caixão não fosse tão estreito..."
Quintiniano
*SONETO DO AMOR INGENTE*
Resipiscência que conduz o meu futuro,
Nuvem azul que chove em forma de esperança,
Fadiga longa em que meu peito não se cansa,
Anseio vasto... Sentimento muito puro...
Toda importância dessas coisas que procuro,
A mão de Deus, o meu sorriso de criança...
Sombra que junto ao meu cansado corpo avança,
Luz que ilumina meu espírito no escuro...
Amarelados versos, páginas contadas,
Sonhos perdidos pelas curvas das estradas,
Caminhos ínvios, quase sempre... Mas eu vou...
Parte do céu que creio minha ser um dia...
Princípio pelo qual externo não seria,
Se já não fosse exatamente quem eu sou...
Maurilo Rezende