BEIJOS VERDES I/IX
BEIJOS VERDES I – 4 JULHO 2023
Não gosto de calor, mas sei que a maioria
se agrada do verão e da plena luz do sol;
quando contemplo o arauto do arrebol,
sei me trará depressa suor e agonia;
mas essa gente toda que ao calor aprecia
pensa ser um dom gratuito a luz desse farol;
para mim gratuito será um dia de escol
que anuncia o inverno e o corpo me resfria.
A noite vem gratuita com toda a sua magia
e a chuva cai no rosto e sobre a plantação,
a luz solar de outono retorna a cada dia
e nunca precisei dar corda ao coração;
também é dom gratuito o fácil da poesia
e o trocar da saudade por gentil aceitação.
BEIJOS VERDES II
Quando eu morava lá fora,
via um pé de angico que crescia
e uma coruja constantemente ouvia,
a pipilar seu gemido toda hora.
A cada entardecer sem mais demora
apreciava a sua gentil melancolia,
lúgubre e triste canção se afirmaria,
parte integrante desse meu outrora.
Para mim não parecia nada triste,
só a ansiedade nela percebia,
que a comover-me então insiste,
notas de sino verde e de minha sina,
que em seu direito persistia,
ao sussurrar de cada casuarina.
BEIJOS VERDES III
Contudo, ao que parece , este verão
não está sendo apreciado como dantes,
não se encontra alegria nos descantes
desse Sol de tremenda exaltação;
não acredito haja total razão
no que se afirma, que nos atuais instantes
seja o verão mais quente dos restantes
nos catálogos dos séculos que lá vão.
Mas certamente já não me encontro só,
tantos milhares em sofrimento os Europeus,
sob o calor que reputam demasiado
e da vegetação perdeu-se o dó,
tantos incêndios a recobrir os céus,
enquanto morrem as flores sem cuidado.
BEIJOS VERDES IV – 5 JULHO 2023
Quando uma jóia compramos para dar
ou se a recebermos, por acaso, de presente,
em veludo ou algodão frequentemente
se acha envolta para não danificar;
nessas caixinhas as deixam cochilar,
até que um comprador se lhe apresente
e a adquira, quiçá muito contente,
levando os brincos, alianças ou um colar.
E a Naureza, quando nos quer presentear,
envolve nossas penas em algodão
e as protege em escaninhos do passado,
tal como jóia pura a rebrilhar,
cada dor enveludada ao coração,
como um conselho apenas esboçado.
BEIJOS VERDES V
As cerejeiras florescem no Japão,
como símbolo nacional, praticamente,
cachos de flores brancas anualmente,
resistem os troncos como fardos de paixão
e em cada templo, aparecem em botão,
nos parques públicas sob a luz nascente,
são delicadas como a própria gente
de duro cerne e resistente coração.
Ali percorrem as alamedas e os jardins,
flocos de neve esparzidos como cinza,
outros flutuam nas águas dos lugares
e como o Fuji Yama, são marfins,
venerados pelas casas e na Ginza,
como presságio da boa sorte nesses lares.
BEIJOS VERDES VI
Em Washington também gizam cerejeiras,
todas as mudas um presente do Japão,
ambos países por venerada tradição,
em relações comerciais e hospitaleiras;
contudo, em revoadas bem certeiras,
por um ataque planejado de antemão,
Pearl Harbor foi ferido sem perdão,
mortes de fogo para gentes marinheiras.
Em vez de pétalas brancas, caiu fogo,
amarelo e vermelho e o porto calmo
foi injuriado por impiedosas chamas,
nas explosões alguns morreram logo,
outros queimados vivos, palmo a palmo,
do Sol Nascente sob as traiçoeiras flamas.
BEIJOS VERDES VII – 6 JULHO 2023
Cinzas por cinzas, alguns anos após,
de bombas incendiárias a barragem
destruiu Tokyo em reluzente aragem:
sem que as cinzas iniciais deixassem sós,
mas rodopiassem pelo ar, em baile atroz;
cinza de gente, em sacos de aniagem,
foi recolhida por gente de coragem,
sobreviventes de um ataque tão feroz.
E depois, as cerejeiras de Hiroshima
e Nagazaki, em seu tormento atômico,
por duas bombas somente, individuais,
consumidas cada rua e cada esquina,
porem das cinzas se ergueu o povo indômito,
já acostumado com desastres naturais.
BEIJOS VERDES VIII
As cerejeiras, porém, ainda florescem
em Washington e em Tokyo e a amizade
ou convivência com naturalidade
é bem mantida. Só os velhos não esquecem.
Mas os rivais sob o horizonte crescem,
as flores brotam com vivacidade,
demonstram as gerações cordialidade,
sobre o passado as brumas também descem.
E as flores brancas escorrem para o chão,
em lento rodopio, valsa e indolência,
também a cinza fertiliza a terra
e nessas nuvens, em capulhos de algodão,
a paz é lida com pertinaz frequência,
mesmo ao temor de renovada guerra.
BEIJOS VERDES IX
De modo igual, essas queimadas do verão
recebem beijos da verde Natureza,
tudo retorna em vegetal certeza,
do tronco negro surge nova brotação,
pois tudo passa e passará este verão,
substituído por um outono de beleza,
depois o inverno, com sua pura frieza
que a Terra Verde manda beijos com sua mão.
Eu só lastimo que, chegada a primavera,
os Europeus se esqueçam da lição
e novamente vão estirar-se ao sol,
que esse desgaste do calor só em mim impera
e ainda contemplo com receio o arrebol
e abrigo busco só da brisa em proteção.