SEIOS ARFANTES 1/12
SEIOS ARFANTES I (2007)
Alguém me aguarda e escutará meu verso
e todas minhas canções há de cantar
ou saberá ao violino executar
o meu lamento, em esplendor converso.
Alguém que compartilhe do adverso
pendor que tenho por melodia alvar,
tão diversa das outras, que esperar
não posso seja o gosto do disperso
grupo social em que preso me vejo.
Alguém que goste do que amo e compartilhe
do meu gosto em pintura e o mesmo vinho
queira tomar... e não demonstre pejo
por compartir a vida em que eu encilhe
meus velhos sonhos em ramos de azevinho.
SEIOS ARFANTES II (20/10/2009)
Irei tomar da lira e à testa a faixa
cingir, para assumir que sou poeta.
A vincha guaranítica do esteta
não é a mesma que sobre mim se encaixa.
Uma protege os olhos, quando baixa
o vento nos cabelos, flor de seta;
A outra demonstra a mais sincera meta
de seguir essa deusa que me enfaixa,
como múmia obediente a seu destino,
em que sua boca a ordem manifesta
que retransmite a nova exaltação.
Não sou mais que o badalo desse sino,
que o empuxo da corda não contesta,
mas fere o bronze em plena devoção!
SEIOS ARFANTES III
Lagartas vivem bem mais que borboletas
e se ocultam do Sol, que as ressecara,
enquanto a cor das asas mais buscara
A luz do sol, que mais as ressaltara...
Mas morrem logo, como as violetas,
retiradas da sombra que as cuidara:
quem sabe a vida mais lenta lhes passara
se fugissem ao sol, que lhes roubara
a duração da vida, ao dar-lhes cor...
Assim, prefiro a sombra por guarida
e as folhas da videira, em cartomância,
em mim conservam pleno meu vigor:
não sei qual extensão terá minha vida,
apenas sei que duração teve minha infância...
SEIOS ARFANTES IV – 25 junho 23
Torno à metáfora dessas borboletas,
porque as próprias borboletas são metáfora:
a vida inteira contida nesta anáfora,
que adeja iridescente, nas secretas
constelações de pó, mágoas completas,
no dilema da lagarta, tão pacata:
melhor viver a vida mais cordata,
porém mais longa, que usufruir diletas,
mas curtas horas, depois de abrir as asas?
A vida é assim, no seu obscurantismo:
se eu for um lepidóptero, muito em breve
me queimarei, nas lâmpadas das casas,
sem sequer me poupar um silogismo,
para queimar-me ao sol... dançando leve.
SEIOS ARFANTES V
Flor de ausência é teu rosto, essa milícia
de dias vazios, marchando arrependidos:
são de poeira de verso entretecidos,
de serragem e biruta, em sua malícia.
Quando murcham os jasmins, longe de ti,
deixam raízes que perderam viço:
esses infantes dispensados do serviço,
espelho negro em que não mais te vi.
Como eu queria que as bandeiras desfraldadas
desse exército de ausências tremulassem,
ao derredor de mim, como sentenças!
Estandartes de mil troças marchetadas,
talvez a me ferir então cercassem.
mas, pelo menos, me trariam tuas presenças.
SEIOS ARFANTES VI
As vozes estridentes que hoje escuto
lembram tua voz, mais doce, de contralto;
os rostos entrevistos, no ressalto,
são pedaços de rostos no meu luto.
Fragmentos do espelho, que disputo
à minha própria memória, neste salto
ao passado, que assim tomo de assalto,
para com eles construir rosto impoluto.
A face da alma-irmã, que de minhalma
compartilha desde sempre, vida a vida,
porém que nesta não pude ainda encontrar,
que idônea inteira fosse e plena calma
conseguisse despertar na minha ferida,
na cicatriz que, enfim, me há de curar.
SEIOS ARFANTES VII – 27 junho 2023
São meus sonetos aves e cantam só à noite:
são rouxinóis de vento, cataventos,
são ampulhetas que meus sonhos bentos
encadeiam em silêncio que os acoite.
Durante o dia, da algazarra o açoite
faz gaiolas para os pássaros e os ventos
e os lançam para longe: só os mais lentos
permanecem adejando sem pernoite.
Os demais voam, sem ser jamais escritos:
até queria que em outro eles pousassem,
para soprar-lhe metáforas e imagens...
Não se perdessem assim, mas fossem ditos:
pelos lábios de outrem se cantassem,
ao completar suas estranhíssimas viagens.
SEIOS ARFANTES VIII
Assim lamento que dos versos os melhores
não me rodeiam como um colibri:
são mais pardais que reconheço aqui
nos desabafos de meus tolos dissabores.
Vejo nos ares as diferentes cores
que dos poentes roubam o quanto cri,
riscam-se frases multicores por ali,
somente as cinzas demarcando meus pendores.
Pois cor de mágoa são os meus pesares,
que insistem em pousar sobre meu peito
e seus remígios não souberam distender.
Pardais de outono e não sabiás cantares,
ficam vibrando em adejos de mau jeito,
sem jamais sobre os teus seios ascender.
SEIOS ARFANTES IX
Esses que voam, se perdem pelos ares,
não tenho redes para capturá-los,
só nas tristezas conseguirei achá-los,
sem jamais lhes redigir os pipilares.
Capturo aqui uma pena, ali colares
ou os riscos que deixaram, sem contá-los,
só rastros pelo céu a acompanhá-los,
na revoada de ideias similares.
Assim se componho meus versos sem defeito,
sua cor e suas penas falham não possuem,
porém se afastam da integralidade,
cada quimera a me pousar no peito,
fraco mergulho em que as palavras ruem,
formoso apenas em sua perplexidade.
SEIOS ARFANTES X – 28 junho 2023
Porém meus sonhos por chumbo conturbados,
desmerecidos de seu valor ideal,
esses eu guardo bem fácil no bornal,
sonhos mais débeis, tristes, dominados
por gravidade, por inércia perturbados,
que se deixam capturar em meu caudal,
sonhos de ferro e de carbono natural,
que para o fundo de meu peito são puxados.
São apenas estes que consigo relançar
nos meus sonetos de rasgos imperfeitos,
ainda que em antigos feitios alinhados,
mas sem magia conseguir extravasar,
igual fariam, fossem pássaros mais leves,
que só pude contemplar em sonhos breves.
SEIOS ARFANTES XI
Bem gostaria que esses mais ariscos
fossem direto a ti e te beijassem,
que meus ideais em teu peito se estampassem,
mas são só argueiros, minúsculos tais ciscos.
Que penetrassem teus olhos, breves piscos,
e em tuas lágrimas de leve então flutuassem,
nas comissuras dos lábios penetrassem
e que os amasses sem lamentar seus riscos.
Porém bem sei que nos ares se dissolvem,
para pousar, bem leves e ligeiros,
em outros olhos, sem poderem te encontrar.
São as brisas que os caçam e não devolvem,
senão em penas para os travesseiros
ou para as penas de outros sonhos provocar.
SEIOS ARFANTES XII
Assim os sonhos que te envio são mais pesados
e te perturbam com insólitos receios,
é com seu peso que arfam os teus seios
e não com a graça do sonhar de enamorados.
Queria que os pesos fossem deslocados,
que te insuflassem amor por outros meios,
num vendaval de cristalinos veios,
como sorrisos em tuas faces estampados.
Porém por mais que tente, não consigo
criar os versos do mais leve adejo,
pois só as falhas de meu peito é que te envio,
nessa certeza de nunca estar contigo
e ter somente a sombra de teu beijo,
qual colibri que se encolhe em dia frio...