FLORES SEM SEMENTE 1/12
FLORES SEM SEMENTE I – 13 JUNHO 2023
Nesta hora branda em que ninguém me chama,
depois de tantos problemas neste dia,
em busca saio empós tola fantasia,
sem buscar reunião de amigos que me aclama;
então me estendo solitário sobre a cama,
gasto o cansaço após toda a energia,
a suspirar em falsa calma fugidia
pela ausência incolor da meiga dama
que queria em meus braços neste instante,
mesmo em sua ausência escuto melodia,
pego uma história qualquer em que não cria,
e me transporto a mundo bem distante,
enquanto espero o sonho em fim de tarde,
enquanto de emoção minha mente arde.
FLORES SEM SEMENTE II
O tempo diariamente nos desgasta
através de seus mortíferos momentos,
cada um que passa engole pensamentos,
cada um apressa de nossa vida o basta;
o tempo diariamente nos afasta
de uma plena efusão dos sentimentos,
são deglutidos por novos julgamentos,
no escorrer lento de alvacente pasta.
O tempo é essa lava fria que escorrega,
sem pressa, em melancólica ladeira,
matando a cada instante outro talvez
e sem pressa, com seu abraço nos apaga,
até chegar à cachoeira derradeira,
cada gélido minuto por sua vez.
FLORES SEM SEMENTE III
Novo soneto de amor fazer queria,
mas nada vem. Meu coração magoado
cicatrizou-se. Meu corpo, de pecado,
nem sequer pensa. A mente de folia
não tem prazer. A alma, em melodia
nem sonha agora. Antes, anestesiado
vejo o meu ser. De amor atribulado
ou satisfeito se foi toda a elegia.
Portanto, não farei o tal soneto,
pois não sinto desejo ou inspiração
e qualquer verso de amor soará inútil,
talvez porque não tenha amor secreto
e busque apenas esse fantasma da ilusão
de uma mulher, tão real quanto inconsútil.
FLORES SEM SEMENTE IV – 14 JUNHO 2023
Meus olhos se embaciam, se contemplo
a vida à frente, por tempo demais;
inda me sinto imbricado no jamais,
de que o passado é o irreal exemplo.
Posso pensar no futuro como o templo
dos meus anseios e de muitos mais,
tornados verdadeiros, naturais,
nesse porvir que de pensar retemplo.
Pouco importa se o passado foi ditoso
ou infeliz: é o reino de minha morte,
sepultado para sempre no intangível,
ou que o presente embaçado seja airoso
ou humilhante, que logo muda a sorte
e este presente também se apaga no indizível.
FLORES SEM SEMENTE V
Foi esse beijo social que me osculaste
(essa coisa que hoje é tão comum),
mas que causava espanto em qualquer um
no tempo antigo, com igual desgaste
de uma reputação, sem que hoje baste
para mais nada que um lugar-comum.
(Não são beijos de amor que se dá a algum,
são mais bicadas com que alguém se afaste).
Mas comentaste: que perfume bom
estás usando hoje! É de bom-tom,
para explicar-me fiquei em atropelos:
(Jamais uso perfume, só é o sabonete
que pelos fios da barba se intromete,
tal qual escorre pelos meus cabelos...)
FLORES SEM SEMENTE VI
Há muita gente que se desaponta
quando percebe ser desobediente
esse que achava seu servo onipotente,
que governar inteiramente conta...
Mas, de repente, percebe que desponta
de uma forma totalmente diferente
o tal criado de força permanente,
cuja obediência revela pouca monta...
É então que lhe negam a existência,
porque viram frustradas ordenanças
e transformado em lata o ouropel!
Nessa atitude plena de impaciência,
não se revelam melhores que crianças
que descobriram não haver Papai Noel!
FLORES SEM SEMENTE VII – 15 JUNHO 2023
Passada a dor, só fica a anestesia,
que a revolta há muito adormeceu.
Nada mais quero do que já foi meu,
porém perdeu para mim toda a harmonia.
Queria ao menos guardar a nostalgia,
porém nem isso me resta. Enfraqueceu
a ponte da saudade e se encolheu,
em notas mudas, a flor da melodia.
Contudo ainda queria ter saudade,
ou sentir ódio, sequer algum rancor
que me fizesse bater forte o coração,
porém agora só me resta a sanidade
de perceber que quando morre o amor,
a dor se apaga na fumaça da ilusão.
FLORES SEM SEMENTE VIII
Ao te sentires só, momento asado,
olha ao redor de ti. Contempla as flores
que vivem sob o sol. Não têm amores,
porém vicejam, sem príncipe encantado,
nos prados e jardins. Seu decantado
esplendor não é páramo de ardores,
nem abraçam uma a outra em seus verdores,
nunca abandonam o lugar enraizado,
enquanto chegas, sem peias, aonde queres,
talvez ali depositando a tua sementes,
ou pelo menos, a marca de teus passos...
Pois enterra a solidão onde quiseres,
talvez brote em teu sono em sons dolentes,
talvez te minta os botões puros dos abraços...
FLORES SEM SEMENTE IX
Asilado de ti, abri meu ventre
e lá guardei meus olhos de tristeza.
Já não consigo enxergar qualquer beleza
por esse mundo em que, talvez, me adentre,
desprovido de olhos. Não estás
onde te possa ver, nesse vazio
que outros chamam de mundo, nesse rio
que carregou os teus passos e não traz
de volta para mim qualquer fração.
As outras passam e deixam seu perfume:
tapo as narinas, sem querer nada aspirar,
que não se aninhe outro amor no coração,
a combater esse meu feroz ciúme,
de quem consegue, ainda cego, te enxergar!
FLORES SEM SEMENTE X – 16 JUNHO 2023
A vida é espessa e a mortalha dessa bruma
só pode ser rompida a golpes de cinzel;
a vida é virgem velha, cujo mel
só pode agora ser fruído com verruma,
que fure lentamente suas defesas; ruma
de percalços e armadilhas sem quartel,
mas que se enfrenta, sem pensar no fel
que nos deixa na boca e em que se esfuma
toda esperança de haver facilidade..
A virgem velha quer até ser convencida
por quem a busque sem desanimar,
que seja ao menos pela curta veleidade
de quem conquista e é levado de vencida,
quando sua última vitória o executar...
FLORES SEM SEMENTE XI
O que fazer, então, quando se impõem
esses sonetos que fazer sequer eu quero,
fracos desejos por que nem espero,
as exigências que se me interpõem?
Então me entrego, tal qual musas dispõem
e em suas cem novas palavras deblatero,
ou de alegria ou de destino fero
e pouco a pouco as energias se repõem.
Assim escrevo tão só para o porvir,
quiçá engavete um sonho mais secreto,
ante o qual tantos têm a precedência,
sem de fato pela flor nunca insistir
que guardaria o meu estame mais dileto,
em um impulso de pura ambivalência.
FLORES SEM SEMENTE XII
Pois tantas vezes os redigi sem mais pudor,
foram pistilos os corações de mil donzelas,
feias algumas e outras tantas belas,
sem a intenção de expor-lhes meu amor;
só nestes versos semeio todo o meu calor,
neles registro a polvadeira das estrelas,
ao firmamento contemplo só por vê-las,
sem insistir em sua visão por meu vigor.
Não espalharei por aí semente à toa,
irresponsável em sua plena veleidade,
só pelo vácuo espalharei meu dom potente,
por mais que sinta que o coração me roa,
por me embalar nas ilusões da falsidade,
enquanto esparzo minhas flores sem semente.