Do calar(-se)

 

I

 

Quem cala nem sempre consente,

porque não cala, mas silencia

diante d'algo que potencializa

uma dor, uma mágoa ou um trauma presente.

 

Às vezes vence o calado, assim a gente

aprende o ditado, simples e popular.

Mas verdade é que às vezes falar

é acolher a dor que se sente.

 

Enfim, ilude-se em nós nossa mente

se do corpo ela se quiser ausente

e esperar-se apenas virtuosa e virtual.

 

Errar é humano, persistir é burrice,

assim um ou outro já bem me disse,

para eu ter minha própria voz, afinal.

 

II

 

Às vezes se cala o conferencista

diante da plateia que não dá bola,

como a professora que, na escola,

suspira pela classe tão foguista.

 

Às vezes se cala quem vai embora,

sem a devida chance de um adeus,

ou cala-se aquele que, por agora,

não ouve mais os filhos seus.

 

Calar, calar-se, há que diferenciar-se.

Ficar calado é anestesiar-se

se muito tempo passar assim.

 

Aí a vida, um dia, de repente,

pode voltar a conversar efusivamente,

mas a quem muito cala não se ouve o fim.