ÔNFALE I a XII (Versão Original)
ÔNFALE I (25 AGO 79) (Versão Original)
Na vaga sedução, meus desenganos,
quais lantejoulas mortas, sem centelhas,
quebradas, negras, esperanças velhas,
rituais que o tempo remarcou profanos,
na vaga sedução, ideais arcanos,
mil ouropéis de jaça e mel de abelhas,
cristais partidos, corações sem telhas,
as chagas ostentando seus mil danos,
humanos sonhos, temendo ser divinos,
odor da noite em cantos matutinos,
de faunos degradados, babuínos,
na expressão morta da ilusão perdida,
abóbora em caleça travestida,
num desafio, tornaram-se destinos.
ÔNFALE II (2007)
Por certo, não saiu como eu queria
esta impensável e estranha relação:
desde o começo, eu te dei o coração,
enquanto o coração teu pretendia
dentro de mim. A tua palavra ouvia
dizendo-se disposta à enfrentação
de tudo e todos, concreta essa ilusão
que te afastar de mim não permitia.
Mas nunca ouvi, nesse tremendo rolo
de tantas emoções, tanta ternura,
uma resposta, afinal, para minhas preces:
que fosses minha, num total consolo,
sem mais reservas, totalmente pura,
como eu teria querido me quisesses...
ÔNFALE III (22/2/2009)
Que te direi agora, oh redolente
estrela de minha vida, que deixaste
de brilhar para mim qual reluzias?
Ou teu ocaso é apenas aparente?
Já não aguardo o retornar dolente...
Essa ilusão bem firme me apagaste,
nessa certeza das frases que dizias...
Por que ainda me buscas tão frequente?
Por que esperar que eu diga que te amo,
quando afirmas ter um outro sentimento
e que nunca me darás o coração?
Como é inconstante a mulher por que reclamo
e não consigo retirar do pensamento,
por mais que saiba não possuir razão!...
ÔNFALE IV
Nada me deves. O quanto tenho feito
foi por amor que fiz, tão só e sem defeito:
de mim mereces completo e firme preito,
porque te amo. Tão só porque te amo.
Nada me deves. O quanto pude dar~te
daria novamente, parte a parte,
por te fazer feliz, só para honrar-te,
porque te amo. E apenas por ti clamo.
Assim, nada me deves. E até devo,
pelo prazer de um dia haver servido,
na servidão de meu amor ferido.
Portanto, nada deves. Eu só te escrevo,
mais dedicado do que devia a Deus,
com o coração e a mente que são teus.
ÔNFALE V
Muitos anos atrás, tu me sorriste
e a tampa do sarcófago se ergueu.
Bem de repente, um sonho em mim cresceu
e das tiras da mortalha me despiste.
Minha múmia te sorriu e produziste
essa magia que dentro em mim nasceu,
como se eu fosse o sábio... E me aqueceu
o teu orgulho e o louvor que me supriste.
Cheguei até a presumir que ajuda
era eu que te dava, em meu conselho,
sabedoria de um gasto coração...
Mas não consinto mais que assim me iluda
a minha vaidade. Pois basta ver no espelho
que me tocaste com varinha de condão.
ÔNFALE VI
Com tua varinha, marcaste-me o umbigo,
esse sinal de pertencer à raça,
que geração pós geração perpassa,
pelo qual aos ancestrais me unir consigo.
Indica o sacro ponto por que abrigo
calor e alimento, em santa graça
é transmitido em transitória jaça,
no momento de expulsão do ventre amigo.
Quando essa luz do mundo me ofuscou
e para respirar, projetei pranto,
pois decerto preferia ter ficado
onde me achava, onde me acalentou
o recipiente escuro, íntimo canto,
que nunca mais poderá ser recobrado!
ÔNFALE VII – 18 jan 2021
Por onfaloscopia alguns referem
essa inefável meditação budista
em que é apenas é umbigo que se avista,
sem reparar nos impulsos que nos ferem.
Sem permitir que as emoções alterem,
por que os desejos do mundo se conquista,
por que o Nirvana se ache em nosa pista,
quanto as Srutis (revelações) nos derem.
Tal contemplar do umbigo é criticado,
como sendo nada mais que um escapismo,
o alimento a nos ser dado na indolência.
Mas pelo umbigo o ventre é retomado
e entre os pais e o ancestral abismo,
mil gerações redescobertas com prudência.
ÔNFALE VIII
Milhões de umbigos em mística serpente,
que nos conduz ao ritualismo de Eva;
e que zombar da mãe primeva não se atreva
qualquer que traga em si a vida ingente.
Na alegoria o primordial se assente,
até a primeira horda que nos leva
até a diversidade de algum Deva,
em que a índole do Asura não se alente.
E pela grande serpente, a Kundalini
encontramos os terríveis ancestrais,
até não mais haver o nosso umbigo.
Mas que o alburno e a albumina ative,
dentro do ovo, sem liames maternais,
tal ser estranho, que de mãe não teve abrigo.
ÔNFALE IX
Mas a serpente regressa bem mais fundo,
sem ter umbílico, põe laço no Permiano,
até o ponto em que sequer se encontre plano,
sem divisão sexual, lá no profundo
do pântano inicial, do barro imundo,
formado ali esse primeiro grano,
em que o dedo de Deus, num sonho arcano,
formou a vida como um ser rotundo
a dividir-se por cissiparidade
e em sua economia, a Natureza,
em cada feto ainda age, certamente:
cada célula a se mutar em variedade,
que chamaremos um dia de beleza,
nesse caminho que há de abrir-se transparente.
ÔNFALE X – 19 jan 21
Foi desta forma que a varinha me tocou,
justamente sobre o estigma mais humano,
talvez sagrado, talvez tão só profano,
mas que em cada nenê se remarcou.
Ao penetrar em mim, me fecundou,
com um sorriso de pompa soberano,
inspiração trazendo sem engano
e desde então, jamais me abandonou.
E foi assim que subi de meu jazigo,
há longo tempo o tampo já quebrado
desse sarcófago em que me achava só,
para missão renovada sem perigo,
dormente e seco, em nada relembrado,
se fui humilde escravo ou faraó...
ÔNFALE XI
Portanto, nada deves. Porém eu,
em tal ressurreição que se aligeira,
ganhei minha vida de forma sobranceira,
achando em mim o que antes se perdeu.
E mesmo que não encontre nada meu,
nesse fanal de luz, clara e brejeira,
sou servo teu por essa vida inteira,
que não havia e que de ti verteu.
Nada há mais estranho que um condão
capaz de umedecer toda a secura
da carne morta e da mente já desfeita,
no palpitar de um novo coração,
magicamente tocado por ternura,
quando uma fada junto a mim se deita!
ÔNFALE XII
Teu coração é certo que me deste,
porém não nesse contato delirante;
de certa musa que viesse a ser amante
de um pobre humano em pastiçal agreste.
Mais do que amante o que me concedeste,
no toque místico sobre ônfale vibrante,
foi nova vida e sangue apaziguante,
a mãe dos versos que depois me leste.
Por este umbigo aberto ao desatino
entram memórias de antigas impressões,
tempos primevos de vastas sensações,
muitas mais que desfrutei desde menino,
a raça inteira a martelar minha sina
missão da fada que ao tempo me destina!