TRILHA DE SONETOS XCVIX- RIMAS INTERNAS
*ABASTANÇA NO SERTÃO*
A nuvem passageira não descansa...
Durante a sua andança, rotineira,
Chega ao Sertão e lança, mensageira,
A chuva sementeira, em abastança.
Mergulho na lembrança, hospitaleira,
que escorre da "algibeira" de criança,
de um sonho, à vida inteira, que hoje alcança
o tempo de festança, prazenteira.
O meu olhar florido de emoção,
Alaga a plantação, embevecido,
por ver, em cor, sortido o pobre chão.
Feliz com o sertão, abastecido!...
a Deus, agradecido, em oração,
entrego um coração reflorecido!
Aila Brito
TANGENDO ESTRELAS…
Tangendo estrelas — filhas do luar —
com brilho de rasgar o véu celeste,
a noite insiste e investe em ressaltar
o céu, qual nosso lar, tão inconteste…
Não há, por mais que teste, igual lugar
de noite, assim… sem par, qual meu Nordeste
do “cabra bom da peste” em linguajar…
(Ó Pai, hei de exaltar o que me deste!)
As nossas estrelinhas (quem diria),
compõem, na noite fria, tal clarão,
que o breu da escuridão parece dia…
Respingam, qual um guia feito à mão,
divino lampião na moradia:
fagulham alegria pelo chão!
Elvira Drummond
*MÓ*
Saudade, torvelinho edaz que vem, me esmaga,
A dolorosa saga, abutre que eu aninho,
Lacera mais que espinho e sangra mais que adaga,
Que me tritura e traga igual voraz moinho.
Nos meus lençóis de linho aumenta mais que praga
No instante que se apaga a luz e me avizinho
Do fim do meu caminho – o mal que se propaga
E que jamais me afaga ou faz-me algum carinho.
A mó atroz, voraz, que meu viver fratura
E deixa, enfim, tristura e vincos no meu rosto,
As marcas do desgosto e de agonia pura.
A dor que não se cura, eterna, por suposto,
E deixa o ser exposto à mágoa, desventura,
Às margens da loucura ou sem prazeres, gosto.
Edir Pina de Barros
*MAFIOSOS*
Senhores de uma classe de iludidos,
Teimosos pelos ideais espúrios...
Favores tramam, todos desmedidos,
Trevosos, na corrente dos murmúrios.
Rancores alimentam os partidos
Pomposos nas falácias dos perjúrios...
Fatores, dos mais porcos, nos vencidos
Ciosos geram, sempre, os maus augúrios!
Enquanto o povo segue além da espera,
O pranto escorre e alaga a primavera,
Deitada, sob as mágoas da existência...
Políticos do mundo criam filhos
Raquíticos e pobres sobre os trilhos,
Sem nada que alimente a consciência.
Ricardo Camacho
*O MAR*
O mar, com soberana majestade,
Impõe-nos a vontade que lhe emana
Com toda intensidade e não engana
A solidez tirana da maldade.
Com sua veterana autoridade,
Despreza a sociedade leviana,
Pois a salubridade é sua gana,
Não há ação insana que lhe agrade.
Esconde em seus rochedos um rosário,
Pois, mesmo autoritário, tem seus medos,
Encontra em nossos dedos seu calvário.
Espelho refratário de degredos,
Sepulcro de penedos, santuário,
O mar é relicário de segredos!
Luciano Dídimo
*SOB A LUZ DA POESIA*
Com sutileza, a luz da poesia
Compôs sangria em mim, mas que beleza!
E com pureza plena, com magia,
Concederia, assim, total surpresa.
Essa clareza trouxe-me a ambrosia
Que romperia as trevas da tristeza,
E com leveza sigo a fantasia;
Na companhia ingrata da aspereza.
A realeza das palavras puras
Compõe figuras, belas, que imagino,
Já fui menino, já sofri torturas,
Nas amarguras de um cruel destino;
Sem ter ensino, pude ter agruras...
Mas as doçuras vêm do Pai Divino.
Douglas Alfonso
*FINITUDE*
Murchou o primo amor, restou a infinitude
de um pensamento rude e um verso louco a expor
o caos assustador de amar o mais que pude
e a fresca juventude, em lágrimas, transpor.
O corpo, em desfavor, ainda lembra e alude
à lírica virtude e ao beijo sedutor,
mas morro ao pressupor que nada mais ilude
os sonhos amiúde eivados de langor.
Escureceu a aurora, a noite turva insiste,
e na alma sempre triste a prostração demora,
pois teima, neste agora, o instante em que partiste.
E sem lugar ou hora, amargamente impera
saudade feito fera a mastigar o outrora...
Murchou a flor de amora em plena primavera...
Geisa Alves
*GARIMPO DE EMOÇÕES*
Eu garimpo, no olhar, com avidez,
emoções que coleto, a cada dia…
É preciso moldar (conforme a vez),
o conjunto seleto, em harmonia.
De lugar em lugar, de tez em tez,
colho o tom predileto e, aqui, diria
que devemos trajar (no além nudez),
todo simples objeto com poesia.
Quem garimpa emoção, terá traçado,
com a cor da afeição, o seu bordado,
no arremate dos nós de cada agora…
Ao tecer, com um croma, mais retalhos,
na costura que soma, em vários talhos,
há pedaços de nós da vida afora…
Elvira Drummond
*TRIBUTO À AMIZADE*
Na negação que ronda o meu destino
luzem estrelas cheias de manhãs.
Anseio vê-las junto às horas vãs
e obter, então, o brilho matutino.
No escuro não, num óbice ferino
anelo pelas luzes anciãs.
Quero retê-las, são fiéis irmãs
que me trarão a bênção de um ensino.
A estrela-guia brilha, o céu cintila,
a poesia nasce em voz tranquila
e traz consigo um feixe de esperança.
Encontro o dom que aclara a tez sombria,
o instante bom no afã de cada dia,
encontro o amigo, e a lágrima descansa!
Geisa Alves
*LACUNAS...*
Na intensa escuridão da noite que é audaz,
não há nenhum lugar que seja de alegria,
ninguém me dá a mão e sei que tanto faz,
pois noto, em cada olhar, um traço de ironia!
Vejo contradição... alguns estão sem paz,
não querem se esforçar, viver em sintonia,
proferem sempre o não, assim o amparo jaz,
expira em cada lar e torna-se utopia!
Às vezes quero ver o amor que não existe,
sempre demoro a crer que todo mundo é triste,
e que a emoção oscila... altera todo o astral!
Quando a esperança some, oculto o meu temor:
engulo a minha fome, escondo a minha dor,
e sigo numa fila imensa, sem final...
Janete Sales Dany
*SANTO ENGENHO*
Os rastros na alvorada, acolhedores,
abraçam-me a retina docemente,
na festa matutina que, envolvente,
começa, engalanada pelas cores.
A música Divina está presente
no som da passarada e seus tenores
celebram a jornada, encantadores,
riscando a azul cortina, logo à frente.
Sorvendo, de vergéis, o nobre aroma,
de mágicos pincéis, a luz que assoma
e o prazeroso canto, agora venho
dizer que a vastidão do Elã Sagrado
conduz à mansidão e instiga o brado:
"Senhor, bendigo tanto o teu engenho!"
Jerson Brito
*A VIDA É!...*
A vida é passageira, mas formosa,
qual uma flor airosa na soleira
do tempo ou feito a leira perfumosa
que acolhe o grão da rosa sementeira,
depois abafa e dosa na poeira
o cheiro da roseira venturosa...
A vida, feito a prosa, de bobeira
é alegre brincadeira, prazerosa...
Por vezes, semelhante ao tempo e a idade
marcando a mocidade, em seu semblante,
os traços e o flagrante da verdade.
Por fim, no atenuante da vaidade,
a vida é cristandade ao caminhante:
com fé e ação, pulsante de amizade.
Aila Brito
*LAMPIÃO E MARIA BONITA*
O nordestino sempre foi valente,
Sobrevivente, desde pequenino.
E, geralmente, nutre de menino,
O seu destino de homem persistente.
Experiente foi o Virgulino
Que era franzino, mas inteligente...
Um Saladino que marchou à frente
De um insurgente bando viperino.
Incontestável! Fez apologia
Da valentia do revel notável;
Incomparável, pela pontaria...
A grã porfia teve fim laudável.
Mostrou-se amável, quando viu Maria,
E assim nascia o mito inolvidável.
José Rodrigues Filho