TRILHA DE SONETOS XCV- "HOJE", DE AUTA DE SOUZA

*UM DIA*

"Foge-me a vida no correr do pranto,"

e em meio às desvalias, agonizo.

Sem fôlego e sem asa, o sonho santo

agora jaz incrédulo e indeciso.

Sobra-me a morte na escassez do riso,

e a luz de outrora cede ao breu do espanto;

todo prazer revela-se impreciso

dentre as reminiscências que decanto.

Esvai-se o sol da tarde e a noite enfeita,

nos ermos da alma, a lápide perfeita,

a campa em que renasce a poesia.

Sepulto ali a audácia do passado,

pois sucumbiu no dédalo impensado...

"Minha ventura só durou um dia."

Geisa Alves

*DESVENTURA*

“Foge-me a vida no correr do pranto”

Mas canto, sem cessar, a desventura

Da morte que me espia e, enfim, me amura

Neste jardim sem flor. E eu não me espanto.

Refém de algum porvir em desencanto

Prossigo agonizante e na clausura,

Levando na alma a dor que não se cura

E que, apesar da luta, não suplanto.

Rumino a mágoa infinda desta sina

Que me persegue desde pequenina

e me condena, o tempo me abrevia.

Se acaso fui feliz, sonhei, deveras,

No colo tão macio das quimeras,

“Minha ventura só durou um dia”.

Edir Pina de Barros

*SONHO INÚTIL*

"Foge-me a vida no correr do pranto",

Por entre os dedos escorrendo o sumo

Da vividez, e tal derrota assumo...

Resta somente reagir, portanto.

Os meus sentidos não estão no prumo!

E, por saber que não serei um santo,

Meu equilíbrio viverá enquanto

Minha humildade for o meu estrumo.

Sonhei que todos fossem desse jeito!

Mas foi um sonho... e vivo o seu efeito...

Busco a verdade, sem demagogia.

Apregoando minhas convicções,

Senti-me inútil, com as reações...

"Minha ventura só durou um dia".

Douglas Alfonso

*PROVAÇÃO*

"Foge-me a vida no correr do pranto",

Nessa tristeza plena e diluída

Na liquidez do próprio desencanto

Que se resume em lágrima caída.

Sinto a influência do eternal quebranto

Como se fosse a maldição contida

No meu destino amargo que, no entanto,

É a extensão da bênção prometida.

Sigo vencendo a vibração nefasta

Quando, de noite, um anjo vem e afasta

Minha visão da negra profecia...

E, felizmente, um sonho azul se faz...

Surge a esperança persistente, mas

"Minha ventura só durou um dia."

Ricardo Camacho

MAIS UMA VEZ

"Foge-me a vida no correr do pranto",

Bem como o amor na amargurada sorte,

Desiludida, perco-me sem norte,

Banhada em choro e em sofrimento... tanto!

Oh, vida triste... Quanto desencanto

A apunhalar-me o coração desnorte,

Rumando, cego, ao corredor da morte,

Sem teu carinho, longe desse encanto!

Quisera ter-te, amor, mais uma vez

Nos braços meus a te beijar... Talvez

Sentir, assim, a chama da alegria,

Cuja lembrança me ilumina, agora,

o dia "D" à luz da bela aurora!...

"Minha ventura só durou um dia".

Aila Brito

*ANTES DA MORTE*

"Foge-me a vida no correr do pranto"

Em sucessões de negras tempestades

Que embrulham meu destino com seu manto,

Lançando-me torrentes de verdades.

Faço da lástima um sentido canto,

Quando recaem gotas de inverdades

E então percebo, para o meu espanto...

São lágrimas de todas as idades!

E em lágrimas pisadas, tão sozinho,

Carrego a minha mágoa no caminho,

Em busca de uma aurora de alegria...

Mas, hoje, enfim, eu dei ao meu diário,

Antes da morte, os versos de um sacrário...

"Minha ventura só durou um dia."

Ricardo Camacho

*VIDA E MORTE*

"Foge-me a vida no correr do pranto"

e no irromper da lágrima amargosa.

Falta-me um álibi na ruda glosa,

e ao rés do chão definho em luto tanto...

Ronda-me a morte no cessar do encanto,

e uma tristura dói, imperiosa.

E feito a pétala da rubra rosa,

também fenece todo amor que planto.

Dizem que a morte e a vida são irmãs,

as noites de uma, da outra são manhãs;

não seja, então, o ocaso luz tardia.

Que seja breve e infindo... que me aporte,

pois nesta vida feita em triste morte,

"minha ventura só durou um dia."

Geisa Alves

*DOCE VENTURA*

"Foge-me a vida no correr do pranto"

Estou vagando, meio que à deriva...

A dor no peito já se faz cativa.

Quanto desprezo ofereceu-me, quanto?

A maravilha desse antigo encanto

Carbonizou-se pela ação ativa,

Ela mostrou-se um tanto compulsiva.

Tanto lhe quis... e renegou-me tanto...

Entristecido, solitário, sujo,

Fujo de tudo, enfim de nada fujo,

E em minha mente crio a fantasia

Que retornara para mim sorrindo,

Findo este dia, quase um dia infindo,

"Minha ventura só durou um dia".

Douglas Alfonso

*VIDA BREVE*

"Foge-me a vida no correr do pranto,"

Embora esteja ainda inacabada,

Eu sinto a minha trama ser cortada,

Sem pena, sobreaviso ou acalanto.

Por mais que tenha, pela vida, encanto,

Ao ver a minha tenda desarmada,

Minha morada, à força, arrebatada,

Na dor e no silêncio, me aquebranto.

Em meio às ilusões e desenganos,

Eu descobri que o amor transbordaria...

Inexplicáveis os divinos planos.

No fim, eu entendi, com alegria:

Para o Senhor, um dia são mil anos,

"Minha ventura só durou um dia!"

Luciano Dídimo

*LÁGRIMAS DE AREIA*

"Foge-me a vida no correr do pranto"

E não entendo aonde foi que errei,

Meu cálido sorriso amortalhei

Quando o revés me impôs o desencanto.

Eu te perdi, amor! Lamento tanto...

Minha alma! Minha vida te ofertei

Na hora que os teus pudores osculei

E me entregaste teu mais puro encanto.

O tempo escorre em lágrimas de areia,

Minha ampulheta já se encontra meia,

E o bolbo, acima, logo se esvazia...

Resiliente... aguardo teu perdão.

Daquele idílio, sem reparação,

"Minha ventura só durou um dia".

José Rodrigues Filho

*O COLO*

“Foge-me a vida no correr do pranto”,

a mendigar migalhas de prazer.

Ensimesmada, sofro tanto, tanto,

que minha voz prefere emudecer…

Enxovalhei a cor do meu recanto,

a debulhar o breu do maldizer,

se nada sei… de nada mais me espanto,

pois fiz das trevas meu amanhecer.

E no jejum de amor e de esperança,

refaço a prece e busco, na aliança,

o colo santo, a luz da Mãe Maria,

que me acalenta a dor, por um segundo,

e pouco importa se direi ao mundo:

“Minha ventura só durou um dia”.

Elvira Drummond

*DEVANEIO*

"Foge-me a vida no correr do pranto"

que me atordoa, quando a noite aflora,

e a escuridão me cobre feito um manto

tecendo aquelas sensações de outrora...

Foge-me o riso, ao ver que o meu recanto

perdeu eternamente a luz da aurora,

há a escassez de todo aquele encanto,

e essa infinita ausência me devora!

Escuto aquela voz por onde sigo,

aquele afago ainda está comigo,

não cessa e a todo instante me arrepia...

Isso acontece em tudo que permeio,

triste aceitar que foi um devaneio,

"minha ventura só durou um dia!"

Janete Sales Dany

*PÁLIDAS LEMBRANÇAS*

"Foge-me a vida no correr do pranto"

que embebe os olhos onde o resplendor

foi devorado sem qualquer pudor

pelo negrume deste desencanto.

O coração, carente de acalanto,

dilacerado, aceita o atroz favor

de mergulhar em sonho ao recompor

aquela imagem que relumbra tanto.

No meu delírio por um recomeço,

a rispidez do desenlace esqueço

quando resgato cenas de euforia.

A palidez daquele amor de outrora

impõe que eu grite, ao me abraçar à aurora:

"Minha ventura só durou um dia!"

Jerson Brito

*DESENCANTO*

"Foge-me a vida no correr do pranto",

numa profunda dor sentimental,

por merecer, do amor, o desencanto

e me privar do instante especial.

Foge-me a luz sem teu olhar de encanto,

sem ânimo, perdido, em baixo-astral;

na solidão, imerso... choro tanto,

prenunciando, triste, o meu final!

Mas vou seguindo, leve, de mansinho,

na busca de um abrigo, um novo ninho,

tentando superar a covardia.

Nos braços de Isadora fui feliz,

mas nossa história, o sonho, contradiz...

"Minha ventura só durou um dia".

Aila Brito

*ÚNICA AURORA*

"Foge-me a vida no correr do pranto",

Na emanação da líquida amargura

Que brota do meu ser, chorando, enquanto

Vago por uma nebulosa escura.

Somente, em versos, verto o desencanto

No meio de uma nuvem de tristura,

Lembrando a imagem ancestral de um santo

Que passa pelas dores com doçura.

Pisando sobre as poças de tristeza,

Eu sinto o amor da grande natureza

Volver-me em nova aurora de alegria.

Nem sempre a sensação de paz frequente,

Atua sob a luz de um sol nascente...

"Minha ventura só durou um dia!"

Ricardo Camacho