O BANHO DE YSENGRIN

O BANHO DE YSENGRIN I – 24 NOV 16

Ora, enquanto Renard e a filharada

se alegravam com a astúcia que mostrara,

Ysengrin, o Lobo, nem sequer Pardal pegara,

sem qualquer resultado a sua caçada...

Claro que a fome não significava nada

ante o destino que a seu irmão tocara!

Pobre Primaut, forte sova o alcançara,

todo judiado pela terrível camaçada!

Quase o infeliz, de fato, perecera

e chegaria até a morrer de fome

se a sua fêmea não fosse então caçar;

das suas fraturas se compadecera,

mas só comendo a fome dura some

e dessa forma ajudou-o a se curar...

Mas Ysengrin também fome sentia

e já de longe as enguias farejara

que Renard para casa transportara,

embora dele pouca ajuda esperaria...

Furacerca e Malebranche, em confraria,

numas varetas que sua mãe cortara,

de aveleira, cada posta se espetara,

que então sobre o fogo se assaria...

Por via das dúvidas, Renard, o astucioso,

trancara bem a sua porta e as janelas,

cerrando firmemente os seus postigos;

contudo, um fumo subia, vagaroso,

da chaminé, brancas volutas belas,

que o trairiam para alguns de seus amigos...

Ora, Ysengrin viu de longe essa fumaça

e o assado saboroso farejou;

depressa à porta de Renard chegou:

“Sobrinho, mas isso é coisa que se faça?”

“Trancar-me a casa inteira, por pirraça?”

Renard a Ysengrin logo escutou

e lá de dentro, bem alto, ele falou,

mudando a voz, na mais notável traça!

Mas tanto Ysengrin bateu à porta,

que finalmente ele abriu a janelinha

que servia para observar o visitante.

“Senhor meu tio, porque essa cara torta?”

“Senti o perfume de sua comidinha,

Dê-me um pedaço logo, seu tratante!...”

“Mas eu não posso! Tenho aqui dois cavaleiros

que esta tarde me vieram visitar!...

São o Marquês de Arras,” improvisou Renard,

“E o Conde de Tyron, bravos guerreiros!...”

“Da Ordem do Banho somos companheiros!

Ninguém mais conosco pode se assentar!...

Minha esposa e filhotinhos só a olhar,

querendo as sobras destes meus parceiros...”

“Então, ao menos, me repasse um pedacinho!”

“Vou perguntar, caso os amigos me permitam,

mas entrar aqui, só poderá membro da Ordem!”

Pôs-lhe um pedaço de enguia no focinho.

Ysengrin se lambeu todo. “Por que evitam

a minha entrada? Não vou fazer desordem!”

O BANHO DE YSENGRIN II

“Eu já lhe disse: são da Ordem do Banho,

a que pertence só a mais alta nobreza!...

Eu lhes farei uma ofensa, com certeza,

caso permita a entrada de um estranho!”

“Mas seu teu tio, Renard, e não me acanho,

sei me portar com extrema gentileza,

com as melhores maneiras à tua mesa:

eu como devagar e não me assanho!...!

Renard, então, fingiu que estava a consultar

seus dois convivas, que acabara de inventar,

trocando a voz, com bastante habilidade;

para a seguir até o postigo retornar:

“Só existe um meio para você participar:

precisará de ser aceito na irmandade!...”

“O que é preciso, então, fazer agora?”

“Normalmente, realizar uma proeza

e tomar um banho completo, com certeza,

de fato coisas da maior demora...”

“Mas aos cavaleiros mencionei que outrora

este Ysengrin já demonstrou grande nobreza,

em muitos feitos de valentia e de altiveza

e assim merece ser aceito nesta hora!...”

“Basta apenas que lave a sua cabeça!

Logo a seguir, posso deixá-lo entrar...”

“Pois muito bem! Mas como a irei lavar?”

“Ora, é bem fácil! Mas é preciso que lhe peça

fechar os olhos bem e a cabeça aqui enfiar

pelo postigo, para a lavagem que mereça!”

“Mas lembre bem: fique de olhos fechados,

pois sua cabeça com óleo santo vou ungir!

Se abrir os olhos, os poderá ferir:

conserve-os, portanto, bem cerrados!...”

Como os peixes já tinham sido devorados,

pôs no fogo panela de água a ebulir,

como se fossem mais enguias a frigir

e segurou-a, cheio de cuidados...

Firmando a alça, chegou até o postigo,

a água fervente logo derramando...

“Meu sobrinho, sinto dor horrível!...”

“É o óleo da unção, meu tio e amigo,

aguente um pouco e após ser abençoado,

só irá sentir um bem-estar incrível...”

Mas Ysengrin a dor não suportou:

tirou a cabeças para fora, uivando,

enquanto Renard ficava gargalhando:

“A Ordem do Banho agora o aceitou,

“meu caro tio... Mas por que escapou?

Não era a hora de vir aqui entrando,

minha boa comida bem feliz filando,

que de meus filhos quase retirou?”

Enquanto o Lobo fugia, em desespero,

a esposa de Renard mostrou pena:

“Sempre esse Lobo lhe mostra tanto apego!”

“Pois então? Eu lhe mostrei apego vero!

Não lhe mandei fechar os olhos nessa cena?

Sem meu aviso, teria ficado cego!...”