TRILHA DE SONETOS XCIII - "SAUDADE", DE AUGUSTO DOS ANJOS
*SAUDADE*
“Hoje que a mágoa me apunhala o seio,”
e torna a tarde fria e merencória,
como esquecer o fim da nossa estória
se vivo de ânsias e saudades cheio?
Como esquecer a decorrida glória,
se o cheiro teu, gravado em meu anseio,
é a lembrança audaz que não refreio
nas horas vãs da madrugada inglória?
O gozo do passado não esqueço,
persiste no imo, vive em meu avesso,
junto à silente e inebriante mágoa.
Sinto saudade rude e bruta; trago-a
como um troféu à dor que me trucida,
“mas que no entanto me alimenta a vida."
Geisa Alves
*DISTANTE*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio"
E, há muito, residente na minh'alma,
Faz ampliar a sombra do receio
Que acanha sutilmente a luz da calma.
E, triste, emparedado nesse anseio,
Sofrendo a imantação de um velho trauma,
Mantenho, ao mesmo tempo, o bom bloqueio
Para sorver da força que me acalma.
Faz tanto tempo que não vejo rosas,
Somente piso em poças lacrimosas,
Cheias de espinhos sobre o chão da lida...
À noite, sob a estrela mais brilhante,
Vejo, plasmado, um sonho tão distante,
"Mas que no entanto me alimenta a vida."
Ricardo Camacho
*ANDEJA SOLITÁRIA*
“Hoje que a mágoa me apunhala o seio”,
e vago mundo afora a te buscar
nos vãos das noites frias, sem luar,
levando, de tristeza, o peito cheio...
Hoje que a mágoa assim fincou esteio
no chão de meu viver, no meu olhar,
nublando toda a minha luz solar,
a dor que me esviscera não receio.
Diversamente canto tal desgosto,
versejo-o, sem cessar, de agosto a agosto,
e a poesia em mim se consolida.
A te caçar em cada canto e esquina,
bendigo o imenso amor que me alucina,
“mas que no entanto me alimenta a vida”.
Edir Pina de Barros
*SAUDADE*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio"
e faz do amor a torturante espera,
bendigo a tua sensatez sincera;
porque me falta, no equilíbrio, o esteio.
A solidão me abraça forte, em meio
a ansiedade que me fere, austera,
na comoção que o peito desespera,
e pela nuvem de um olhar vagueio.
Saudades, tantas, da presença tua,
Das noites lindas, sob o olhar da lua
a abençoar o nosso amor, querida!
Agora, à sombra desse triste adeus
resta-me a luz dos olhos teus nos meus,
"mas que no entanto me alimenta a vida"!
Aila Brito
*VIVIDEZ*
“Hoje que a mágoa me apunhala o seio”,
e faz sangrar as dores do passado,
mergulho em meu porão… e aqui receio
rever os meus fantasmas, lado a lado.
Hoje, que vejo desfilar, sem freio,
agruras que julguei haver curado,
afrontam-me… sem forças, cambaleio,
inerte frente ao mal ressuscitado.
Mas, com vagar, floresce em minha mente
retalhos de coragem… de repente,
restauro antiga audácia adormecida.
E ao recobrar a vividez, agora,
percebo que é hostil a dor de outrora,
“mas que no entanto me alimenta a vida”.
Elvira Drummond
*AMOR CONTIDO*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio,"
Eu me deparo com um corpo haurido
No sofrimento de um amor contido,
Pelo destino que lhe deu um freio.
Cacos de amor do coração partido
Pesam no corpo, parecendo arreio.
Páginas que hoje, internamente, leio,
Desse romance que não foi vivido.
Sinto saudade do brilhante olhar
Que infelizmente me causou fobias
E me essombrou com um pavor de amar.
Na solidão e sem qualquer medida,
Sofro a paixão que me maltrata os dias,
"Mas que no entanto me alimenta a vida."
Luciano Dídimo
*AFLIÇÃO*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio,"
Presumo ver a morte me abraçando
Numa aproximação de dor, sem freio,
Enquanto, ainda assim, sensível, ando...
Carrego o peso de um vulcão e creio
Sentir a ebulição e um canto infando,
Em sonoroso e angustiante enleio
De aguda voz, vibrátil, ecoando...
Inevitavelmente, o triste estado
Envolve-me num todo e, deserdado,
Penetro a sombra da emoção caída,
Revendo a própria vida pelo escuro,
Em ânsias pelas horas do futuro,
"Mas que no entanto me alimenta a vida."
Ricardo Camacho
*CONFORMADO*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio"
E a soledade rasga-me as lembranças
Deixei-me consumir em vãs andanças
E, ainda, não rompi o meu enleio.
Soturno, da saudade, faço esteio
Dos memoráveis tempos... De alianças
Que davam eco às minhas esperanças
Acalentando um meigo devaneio.
Para arrancar do peito tal tristeza
Só a saudade induz-me à grã proeza
Quando relembro a fase colorida...
Os bons momentos, antes da tragédia,
Daquele amor que me lançou na acédia,
"Mas que no entanto me alimenta a vida".
José Rodrigues Filho
*INOCÊNCIA PERDIDA*
“Hoje que a mágoa me apunhala o seio”
e que me pesa a sordidez do mundo,
a vida e a morte, em estertor, confundo,
das esperanças do presente, alheio.
Hoje que a mágoa me congela em meio
às incertezas do atual segundo,
quedo-me inerte, num torpor profundo,
preso nas horas de abissal bloqueio.
Mas a inocência, destruída e morta,
geme nos ares, num olor de rosa,
e deixa um rastro que me impele e exorta.
Então vislumbro a intrepidez contida,
escolho a faina que julguei ruinosa,
“mas que no entanto me alimenta a vida.”
Geisa Alves
*ENFRENTAMENTO*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio,"
relembro dos enganos do passado,
ações que me roubaram todo o esteio,
por isso sempre sigo inconformado.
Sinto que o meu olhar está vendado,
somente me sobrou o devaneio,
o mundo me ensinou a ter cuidado,
piso com medo no terreno alheio.
Depois das alvoradas sem louvor,
enfrento cada dia sem cobrança,
pois já me acostumei com minha herança!
Depois das alvoradas sem amor,
enfrento a imprecisão que me invalida,
"mas que no entanto me alimenta a vida."
Janete Sales Dany
*MINHA LIDA*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio,"
E faz sangrar, descompassadamente,
A chaga antiga de um amor latente,
Por encontrá-la, deste modo, creio
Que nós podemos ter um novo enleio;
E a convidei a vir tentar somente...
Rosália olhou-me, tão serenamente,
Não disse nada, abandonou-me, alheio
Entre os vapores dessa dor insana
Tive um presságio, quando o amor nos dana
Fazemos dele vívida lição.
Eis-me perdido nessa condição,
Lutando, sempre, nesta dura lida!
"Mas que no entanto me alimenta a vida".
Douglas Alfonso
*A DOR E O TEMPO*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio,"
Precisamente pela perda pura...
Versificando vários versos, veio
Aquela angústia, abominosa agrura.
Risco e rabisco em rápido receio
Ligeiramente, lúcida loucura...
Demonstro a dança desse devaneio,
Com coreografias da cultura.
Palpita a paz, primordial, patente,
Sumindo o susto que, solenemente,
Fez fervilhar a fraternal ferida.
Timidamente o tempo, em tique toque,
Envolve-me em entristecido enfoque,
"Mas que no entanto me alimenta a vida".
Douglas Alfonso
*CORAÇÃO MENDIGO*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio"
e a nostalgia vem deitar comigo,
agrilhoado no amargor, pranteio,
nas ilusões encontro meu abrigo...
A atroz lembrança instiga o devaneio
e dilacera o coração mendigo
que não resiste ao renitente anseio
de refazer um pouco o laço antigo.
Assim, padeço quando me procura
aquele riso cheio de ternura
que foi levado em bruta despedida.
Abandonaste meu olhar tristonho
e apenas resta um torturante sonho,
"mas que no entanto me alimenta a vida."
Jerson Brito
*INDIFERENÇA*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio",
deixando-me fragilizada e tensa,
procuro amenizar a dor intensa,
buscando controlar o meu anseio.
Desejos eram tantos!... mas refreio
cada emoção, pois sei que não compensa
a minha doação na indiferença
de amar o que me foge, o que é alheio!
Os dias anoitecem... mas almejo
harmonizar no amor um novo arpejo
e aliviar a lágrima dorida,
que molha o rosto em grande comoção
e segue amargurando o coração,
"mas que no entanto me alimenta a vida".
Aila Brito
*CONFISSÃO*
“Hoje que a mágoa me apunhala o seio”,
e sorvo, da descrença, a seiva amarga,
levando, no meu peito, a dura carga
de nunca ter o amor que tanto anseio.
Agora já nem sonho e em nada creio,
E a dor somente cresce e em mim se alarga,
Deixando em meu viver a sobrecarga
de andar ao léu, sem sonho, devaneio.
Sou sombra que sozinha vai, se arrasta
Nos vãos da noite escura, densa e vasta,
E some no horizonte, desvalida.
Maldigo o meu querer que tu renegas,
Que me deixou assim, andando às cegas,
“mas que no entanto me alimenta a vida”.
Edir Pina de Barros
*EMOCIONADO*
"Hoje que mágoa me apunhala o seio"
E alcança um coração que, apunhalado,
Expele o sangramento e o grande anseio,
Na angústia, dolorido e acorrentado.
Ó coração pulsante, vai, sem freio,
Tão resistente, sustentar o fado,
Pois só assim anula o meu receio
De ser, do mundo, o escravo emocionado.
De coração em coração, os laços
Reforçam-se em fenômenos de abraços,
Na prevenção da ação enegrecida,
Enquanto aqui, eu deixo meus pedaços
Para ocupar as fendas e os espaços,
"Mas que no entanto me alimenta a vida."
Ricardo Camacho
*RESILIENTE*
"Hoje que a mágoa me apunhala o seio"
e sigo sequiosa de saudade,
vagando... vou vivendo e, na verdade,
amenizando o acuminado anseio.
Recordo reticente, com receio,
a dura e desleal dualidade,
fundamentada em fake - falsidade -
partindo o pobre peito... (pois pranteio!)
Transformo toda a triste travessia,
clamando, com o coração ciente,
Livrar-me da loucura e letargia.
E, embora a empáfia esteja esmorecida,
marca, mancomunando mentalmente;
"Mas que no entanto me alimenta a vida".
Aila Brito