TRILHA DE SONETOS XCI - "ACROBATA DA DOR", DE CRUZ E SOUSA
*ENTRE RISOS E DORES*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta",
as dores sepulcrais, mas no semblante
plagia o regozijo dissonante,
purgando a dor real, sanguinolenta.
Gargalha um riso falso que alimenta
a diversão do público pagante,
que vibra, sem notar o triste instante
daquele que padece e mal se aguenta!...
Esforça-se, gavroche, em sua messe,
e esquece a provação da qual padece
vestindo a fantasia de homem de aço!
E embora o corpo lasso e o peito em chama,
disfarça em sua face o próprio drama,
"ri! Coração, tristíssimo palhaço".
Aila Brito
*CONSCIÊNCIA*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta,"
Ó nobre consciência, sentinela,
Oculta atriz e artista que pincela
Todo o futuro que o presente ostenta.
Humilha, cura, nutre e tudo enfrenta
Ao imperar no escuro, à luz de vela,
Vertendo a chama fértil, amarela,
Numa expansão maior do que água benta!
Defende e guia, um ponto cardeal,
Na eterna vigilância contra o mal,
Com seu dourado escudo e espada de aço...
E feito a soberana imperatriz,
Ressoa nos ouvidos do infeliz:
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço."
Ricardo Camacho
*O RISO*
“Gargalha, ri, num riso de tormenta”
por entre a lassidão que te devora,
mesmo que o dia, à viva luz da aurora,
guarde, da noite, a sátira cruenta.
Insiste em rir, ó boca macilenta,
malgrado o horror letal que te apavora,
ainda que os sorrisos, neste “agora”,
de tantos males sejam uma ementa.
Se a vida jaz envolta em densa sombra
e se a memória traz o que te assombra,
serve-te um riso mais que nervos de aço.
Então, se o mundo exibe o rosto espúrio
e a morte configura o exato augúrio,
“ri! Coração, tristíssimo palhaço.”
Geisa Alves
*O PALHAÇO MELANCÓLICO*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta,"
Saltita, canta, dança por ofício,
Caretas, um enorme sacrifício,
Ridícula peruca e vestimenta.
Um sonho há muito tempo lhe acalenta:
Desejo de não ser um estrupício.
O rosto, revestido de suplício,
Por trás da maquiagem que agorenta.
O palco nunca foi sua alegria,
Tristeza sim, razão do seu fracasso,
Ferida que lhe sangra a cada dia.
- Ó peito, tu que anseias por regaço,
Em vez de sucumbires na agonia,
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço."
Luciano Dídimo
*O PROTAGONISTA*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta,"
Dessa rotina em velha desventura,
Sem enxergar a aurora e que perdura
Enquanto o incômodo, só meu, aumenta.
Bem vejo... a evolução prossegue e, lenta,
Alcança dois por cento na clausura,
No acotovelamento e na tortura
Causada pela imperfeição nojenta.
Meus versos têm as cores amarelas,
São fios numa rede de mazelas
No chão imundo de um tablado lasso...
E eu, o Protagonista, o mais sem graça,
Ouço a declaração que vem da massa:
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço."
Ricardo Camacho
*BURLESCA TRAGÉDIA*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta"
Com teu sorriso vago, inconsistente,
Tentando conquistar, da leda gente,
O aplauso que te engana e te alimenta.
O picadeiro, teu moral sustenta...
Do medo faz arrojo, intermitente,
Entusiasma quem está presente,
Mas tua inquietude, sempre, aumenta.
Alguém que amavas deu adeus à vida,
Porém o circo, que é a tua lida,
Impõe a ti a glória ou o fracasso.
Contrariando o teu suplício, animas
Toda a plateia... Faze pantomimas!
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço".
José Rodrigues Filho.
*TORMENTA*
“Gargalha, ri, num riso de tormenta,”
sufoca a imensa dor que o desviscera,
fingindo ser hercúlea e forte fera,
que tudo em si suporta, tudo aguenta.
E gargalhar bem mais ainda tenta
enquanto a intensa mágoa o dilacera,
esgarça a carne, igual voraz pantera
de sangue desejosa e tão sedenta.
Contorce o corpo, salta longe e volta
mas não revela, não, qualquer revolta,
os músculos retesos feito um aço.
E quando, então, chegar ao fim da cena,
como se fosse mesmo alguma hiena
“ri! Coração, tristíssimo palhaço.”
Edir Pina de Barros
*HOMEM DE AÇO*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta"
a chaga que corrói o pobre peito,
mas por instantes, finge, e com efeito
desliga-se da angústia que o atormenta.
Gargalha, enquanto a dor experimenta!...
E embora trucidado, não tem jeito,
Incita toda a massa e com trejeito
atrai o riso farto, que o alimenta!
Agita os guizos, expulsando os "ais",
ora vencendo as dores espirais,
como se fosse um deus... Um homem de aço!
E embora a mágoa inunde o coração
e as lágrimas deslizem pelo chão,
"ri! Coração, tistíssimo palhaço".
Aila Brito
*CORAÇÃO PALHAÇO*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta",
feito um palhaço triste, de ânsias cheio,
que ri enquanto mata o próprio anseio,
defronte à massa insana e violenta.
Enquanto ris, agita e movimenta
os golfos desairosos dentre o seio;
contrai, dilata e esgarça, num volteio,
esta rotina sôfrega e sangrenta.
A vida não te oferta um outro gozo,
sacia, então, o músculo estuoso
de sangue vivo, rubro, denso e crasso...
Conquanto mates teu infante sonho
e no imo tenhas pânico medonho,
"ri! Coração tristíssimo palhaço!"
Geisa Alves
*O DISFARCE DO PALHAÇO*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta,"
melhor fingir que tem o que queria,
do que mostrar a falta de alegria
e a imensa solidão que lhe acorrenta.
Gargalha eternamente e, assim, aguenta
a ausência do prazer que anestesia
as dores dessa triste travessia,
sempre martirizante e tão cinzenta!
No picadeiro, esperam seu sorriso,
a arte de apresentar o paraíso,
mesmo sentindo as dores do fracasso!
No picadeiro, só se considera
a intensa permanência da quimera...
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço."
Janete Sales Dany
*A VOZ DO ZOMBETEIRO*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta,"
Ouvi a voz aguda, bem baixinho...
Não foi a voz de um anjo que acalenta,
Ao se alongar num vago burburinho...
Naquele dia, lembro, à luz poenta,
Em frente ao cemitério, no caminho,
Além daquela frase mole, lenta,
Eu percebi que estava ali, sozinho,
Mas prossegui, um tanto combalido,
Fingindo ser um padre destemido
Em oração, ao estugar o passo...
E mais recentemente, com desgosto,
Ouvi, de novo, a voz... e vi seu rosto:
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço."
Ricardo Camacho
*O MALABARISTA DO CAOSz
"Gargalha, ri, num riso de tormenta” —
palhaço tem missão malabarista...
Se engole o fogo e a mágoa que o atormenta,
disfarça o mal que apenas ele avista.
Gargalha… tais motivos sempre inventa,
ludibriando o caos com mãos de artista,
diante da plateia, ali, sedenta
de risos em falsete (um vigarista?)
Gargalha… joga ao alto três bolinhas
e a dor que apara em meio às entrelinhas,
tangendo o sentimento em estilhaço…
Gargalha… equilibrando a sua dor
vestida com farrapos de esplendor…
“ri! Coração, tristíssimo palhaço”.
Elvira Drummond
*PALHAÇO CORAÇÃO*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta",
Pulsa fremente hemácias bombeando...
Põe a fluir o sangue que plasmando,
Visceralmente, a vida sedimenta.
Finge alegria ou, pelo menos, tenta!
Refaz o teu elã, no peito inflando
Tênue esperança, não importa quando,
No palco, ouvires vaia violenta.
Na dubiez da cena, então bisada,
Ressurges, feito lágrima encarnada,
No peritônio que é o teu espaço.
Para conter a dor, mais que ligeiro...
Pensa no bem do teu amor primeiro
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço".
José Rodrigues Filho
*O CIRCO*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta,"
mas nunca deixa os olhos do inimigo
sentir que fraquejei ou que eu abrigo,
dentro de mim, a dor que não se ausenta.
Meu coração, fingido, às vezes tenta
trazer-me paz... e ser leal comigo
quando, insistente, tento e não consigo
afugentar o mal que me agorenta...
Sigo a jornada palmilhando espinhos,
tento encontrar refúgio em meus caminhos,
mas pouco a pouco vence-me o cansaço.
E ouço batendo, assim, descompassado,
nessas amarras, fraco e magoado...
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço."
Edy Soares
*À MÍNGUA*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta,"
afaga as ilusões e se alivia,
tocado pela débil euforia
que, sem juízo algum, experimenta.
Envolto em raro enleio, vivencia
as cenas onde ainda se alimenta
e sabe que paisagem nebulenta
devora a rutilância da alegria.
Na madrugada, insone, caminheiro
perdido nos escombros do abandono,
embala o gozo intenso e passageiro.
Vencido pela míngua, satisfaço
a sua cupidez, mas desmorono:
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço."
Jerson Brito
*O DERRADEIRO ESPETÁCULO*
"Gargalha, ri, num riso de tormenta,"
e pula, e dança, e inflama o picadeiro,
ao recordar, no aplauso derradeiro,
que o respeitável público alimenta,
maldosamente, a ingratidão, cruenta,
ao arlequim bisonho e zombeteiro,
que escala o céu num sopro alvissareiro,
rasgando a lona azul que se acinzenta.
Rendido ao tempo, o coração resvala,
ao desnudar o seu fardão de gala:
pura expressão horrenda do fracasso.
Quem sabe, um dia, as palmas da plateia,
possam soar a mesma tola ideia:
"Ri! Coração, tristíssimo palhaço."
Adilson Costa