ANGÚSTIA - UMA TRILOGIA

ANGÚSTIA - UMA TRILOGIA

I

Certas palavras não podem ser ditas

Sem que a verdade d’elas forte irrompa.

Prescindem de ouropéis; de toda pompa,

Quando um maior sentido as faz escritas.

E aquele que ousar ver suas desditas

Anunciadas ao vulgo por tal trompa,

Antes que cada verso outrem corrompa,

Há-que se vazar cego as próprias vistas!...

Assim, essa palavra impronunciável,

Sob pena de evocar imensa dor

Ou mesmo uma tristeza interminável,

Dê sentido ao sentimento de torpor,

Conhecido entre o estúpido e o inefável

Da mente abandonada ao próprio horror.

* * *

II

Hei sido reticente quanto a mim,

Mas ao puxar angústia, átrio do nada,

Minh’alma revelou-se desolada,

Por labirintos vãos do início ao fim...

Encadeei palavras, mas, enfim,

Aonde vão se não chegam a nada?

Após tudo, findei minha jornada

Enclausurado à torre de marfim…

Por desvãos da memória a pena escreve

Indiferente à lúcida derrota

E às remotas ruínas onde esteve.

No entanto, seja sim digno de nota:

Todo aquele que a versos vãos se atreve

Vagueie inopinado em terra ignota!

* * *

III

Algo tem-de acabar com essa dor…

A angústia inenarrável do momento,

Que queda sobre mim sem mais intento

Com a fúria d’um anjo executor.

E embora reste ver o sol se pôr

Imerso n’um total abatimento,

Ainda hei-de cantar de novo ao vento

Um desencanto a mais de sonhador.

Sonhos, deixo-os perdidos meus ideais.

E as luzes vão partindo com o sol

Em meio a pensamentos vãos demais.

Pouco difere a aurora do arrebol...

Tudo não passa d’uma angústia a mais

Do peixe que suplica pelo anzol.

Belo Horizonte - 12 12 1998