TRILHA DE SONETOS LXXXIX- "SONATA DO CREPÚSCULO", DE OLAVO BILAC
*ÊXTASE*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata",
silenciai e ouvi, da noite, os alaridos.
O dia agonizou por entre anseios idos,
e a lua, em esplendor, aos olhos arrebata.
Rebrilham os cristais em fúlgida cascata,
revestem o luar de intrépidos vestidos;
Os sonhos todos são na poesia urdidos;
a noite já nasceu, ouvi a serenata.
Horas de languidez... Desejos infinitos
transbordam pelo olhar que nada mais omite,
em ânsia de viver os mais divinos ritos.
Na mágica mudez, um som, então, se eleva:
um êxtase de amor, sem pejo e sem limite,
"entre o pudor da tarde e a tentação da treva."
Geisa Alves
*ENCANTO REAL*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata,"
Sopro do vento e os sons melífluos, naturais,
Evolam feito véus nos timbres eternais
Por toda a esfera azul que verte a graça inata.
No seio da amplidão, rebora a serenata
Desde às origens gris, ainda virginais,
Na infinda esteira astral, selando mais e mais,
A nítida canção em luzes de ouro e prata.
Por este musical vibrante nos cenários,
Os lindos curiós e um bando de canários
Celebram a canção que a natureza enleva
Jorrando sobre nós, humanos filhos, vários,
O encanto e a perfeição, por meios solidários,
"Entre o pudor da tarde e a tentação da treva."
Ricardo Camacho
*ARREBATAMENTO*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata"
Juntem-se aos oboés, as harpas e alaúdes
que, na amplidão dos céus se romperão quietudes
e há de surgir, então, em vestes de ouro e prata,
o Redentor da glória e todas as virtudes...
que seleciona o joio, o trigo... que arrebata
aqueles que inda têm o amor de forma inata,
excarcerando os seus das más vicissitudes.
Ignóbeis seres vis da Terra, enfim, olhai-vos,
pois findarão, assim, por todo o sempre os laivos
e há de prevalecer em tudo o que se eleva...
Eis que do alvor do dia ao fim do sol poente
teremos que escolher, de forma permanente,
"Entre o pudor da tarde e a tentação da treva."
Edy Soares
*CONCERTO PARA OS AMANTES*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata"
encontram o furor do afoito sentimento,
atiçam o querer de um coração sedento
e embalam o prazer que a lassidão retrata.
As notas do concerto, o excelso afinamento
aguçam emoções lançadas em cascata
do vívido fanal, sorriso que resgata
divagações do amor dulcífluo e ternurento.
Deslizo em teu afago enquanto o passaredo
refaz na rubidez do firmamento o enredo
da festa colossal que tantas cores leva.
A noite se avizinha e aquela sintonia
bradeja sem parar, deitando a fantasia
"entre o pudor da tarde e a tentação da treva."
Jerson Brito
*SOB O SOM, A SEMENTEIRA...*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata",
sopro que a brisa leva e espalha, em sementeira,
o som que medra sobre a plantação inteira
e faz desabrochar, da lírica sonata,
o tenro grão que aflora, em sua força inata,
toda a beleza e cor ao pé da corredeira...
Desde o bailar do sol, a orquestra costumeira
até o fim do dia, horário em que arrebata,
ativa a floração e o campo resplandece
com garbo multicor... a mágica acontece!
E o círculo, vicioso assaz da gestação
da terra prenhe, fica à espera da eclosão
da nova sementeira à luz que a vida enleva
"entre o pudor da tarde e a tentação da treva".
Aila Brito
*O JUÍZO FINAL*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata"
da abóbada celeste encantam com magia,
num cântico que entoa acordes de alegria,
na exaltação daquele a quem o bem retrata.
Os anjos, pouco a pouco, alertam para a data
descrita nos anais da antiga profecia
que o impuro joio, enfim, do trigo apartaria,
na dura expiação da humanidade ingrata.
Os cavaleiros vão a terra semear,
no fogo que se espalha além do azul do mar,
no dia do juízo em redenção longeva...
e os puros herdarão o Reino Divinal,
que o livro da existência habita em seu final:
"Entre o pudor da tarde e a tentação da treva."
Adilson Costa
*SOLITUDE*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata..."
calem-se, quero enfim viver o meu destino,
chorar, seguir ao léu e, assim, ser insensata;
depois reflorescer... mudar de figurino.
Faz tempo que perdi o riso cristalino,
quando anoitece, abraço a solidão ingrata,
insólita, que só me leva ao desatino,
então exponho ao mundo a dor que me maltrata!
Em cada amanhecer a natureza chora,
imita com louvor os cânticos de outrora,
ostenta a falta hostil e o meu olhar se eleva...
em busca do que fui e não existe mais,
e, assim, pranteio o chão eterno dos mortais,
"entre o pudor da tarde e a tentação da treva."
Janete Sales Dany
*A CANÇÃO DA NATUREZA*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata" -
cantares a ecoar, tecendo a sinfonia…
As tranças do luar, de languidez inata,
envolvem o lugar com terna letargia.
Canários, colibris - gorjeios de acrobata -
inundam de emoção a tênue melodia.
Campânulas-miguês, timbrando a serenata,
perfumam os buquês, na mais sublime orgia.
O dia desmaiado em tons de rubra cor
traz sensualidade, inebriando o amor,
pois, logo após se pôr, o sol a lua eleva…
há o acasalamento, esmorecendo o sol…
e a natureza canta - agora em tom bemol -
“entre o pudor da tarde e a tentação da treva”.
Elvira Drummond
*EM RITMO DE EXTINÇÃO*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata"...
Trazei convosco os sons conatos da floresta...
Porque na grande ocara ensaiam rara festa
E a chama, na fogueira, exige uma sonata.
Tapuia, apaixonado, o nó do amor desata.
A lua, no horizonte, a tênue luz empresta...
Vencer o concorrente, em luta, só lhe resta,
E, assim, por tradição, o litigante mata.
A carne do valente, agora desmembrada,
Em nobre cerimônia acaba devorada
Num ritual, timbira, o seu moral eleva.
Fazei soar, também, avenas e taquaras...
Em ritmo de extinção suplicam as araras
"Entre o pudor da tarde e a tentação da treva".
José Rodrigues Filho
*CREPÚSCULO*
"Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata"
Silenciai perante o pôr de sol sangrento,
Ouvi os sabiás, anus, também o vento
Que enverga os capinzais, que tange e que chibata.
O belo, em si, se expõe e em tudo se retrata,
De forma tão sutil - instante breve e bento -
Que versejá-lo, enfim, sequer concebo ou tento,
Diante do esplendor da formosura inata.
O tom crepuscular em tudo se derrama,
A refazer, do encanto, a delicada trama
Que traz a luz e a paz ao coração que neva.
Silenciai, enfim, para escutar a prece
Que tais purpúreos tons em tudo urde e tece
"Entre o pudor da tarde e a tentação da treva".
Edir Pina de Barros