NA TOCAIA DO AGUARDO / NA TOCAIA DA HARPA / NA TOCAIA DO PRONOME

NA TOCAIA DO AGUARDO I – 21 NOVEMBRO 22

Vou assentar-me sobre um dente-de-leão,

após a morte, quando pouco pesarei,

suas pluminhas, pouco a pouco, assoprarei,

com fibras rubras de meu morto coração.

Talvez me assente só por curta duração,

em seguir as plumas por certo hesitarei,

o que no espaço além encontrarei?

Guardo meu sopro aquém no meu pulmão.

Pois realmente, não há qualquer certeza

de que um castelo encontre em qualquer nuvem

e caso haja, já não pertence a algum gigante?

Talvez o vento me empolgue em fortaleza,

a revestir todo o meu ser com seu albúmen,

talvez, quem sabe? coroa de louros triunfante...

NA TOCAIA DO AGUARDO II

Que mais posso esperar, empós passada

toda a existência neste mundo material?

Levar nada mais posso de todo o cabedal

que neste mundo eu tenha acumulado.

Talvez me digam que o espírito finado

pode levar seu conteúdo cerebral,

mas que fazer, se meus poemas, no total,

eu já lancei ao mundo atribulado?

Se existe a Nuvem, lá eles se encontram,

nada mais tenho, já me assoprei vazio,

sentado apenas em meu dente-de-leão;

que tive vida, quiçá, ainda demonstram,

mas já fluíram de mim em longo rio,

nada me resta, senão o vácuo da ilusão.

NA TOCAIA DO AGUARDO III

E que dizer a tais folhinhas serrilhadas

ou às flores que em vida eu estimei?

Nenhuma pluma para mim eu reservei,

nem o polén de suas flores redouradas.

E caso fossem minhas palavras propaladas,

que resposta da folhagem alcançarei?

Algo das flores sequer escutarei,

quando as tiver todas já despetaladas...

Dessa forma, eu permaneço ali sentado,

imaterial minha massa em seu pesar,

o dente-de-leão não foi sequer dobrado;

só o meu pesar ainda está guardado,

por mais de ano e um dia a meditar,

até que para mim por mim seja assoprado.

NA TOCAIA DA HARPA I – 22 NOV 22

Quando a hárpia toca a harpa da manhã

e o despertar me anuncia nova aurora,

quando a espuma da esperança vai embora,

banido o sonho para outra noite vã,

quando a hora matinal se mostra chã,

vazia de sentido, enquanto cora

esse cinzor da noite em nova flora,

entre chuva serodia ou temporã,

se a real realidade, qual rainha,

se faz presente para meu contragosto,

o corriqueiro da vida então se impõe

e toda essa ilusão que se mantinha

na cera transparente do sol posto

para outra noite apenas se pospõe...

NA TOCAIA DA HARPA II

Não é que a hárpia seja ameaçadora,

ela apenas me anuncia o despertar,

sem as suas garras sobre mim cravar:

não é minha serva e tampouco minha senhora.

O som da harpa minha realidade doura,

até as aurículas chega o seu sonar,

ao mais fundo do pulmão o seu radar,

enquanto o som da hárpia me percorra.

O que ameaça são as potencialidades

deste intervalo dentre o meu sonhar,

as circunstâncias que não posso controlar;

busco da música as possibilidades,

mas os compassos já foram delineados,

para o prazer de meu som delimitados.

NA TOCAIA DA HARPA III

Destarte, mesmo o que traga mais prazer

não pode ser por minha mente controlado,

o imprevisível assenta-se a meu lado,

cuia de mate me vem oferecer.

Mas nessa erva só consigo intrometer

minha bomba de prata, com cuidado,

seu comprimento já foi determinado

e determina até mesmo o meu sorver.

Recusa a hárpia o meu convite delicado,

não pode a bomba aspirar com o seu bico

e de executar a harpa machucou-se;

fica-me olhando com seu visor magoado

e a contemplá-la com olhar magoado eu fico,

enquanto o dia em seu fragor impôs-se.

NA TOCAIA DO PRONOME I – 23 NOV 2022

Ai, como oscila a vida e me aperreia!

Tal qual se deusas caprichosas sacudissem

uma peneira e sobre mim fluíssem

bênçãos e males feito grãos de areia!

Em um instante, paixão nos incendeia,

mas que momentos seguintes descumprissem

essa meia-promessa e nos cubrissem

de um desaponto que tanto nos enleia!

Pois comigo foi assim, por toda a vida,

a cada tocha acesa no horizonte,

esse farol que a mente toda seduziu,

quando me achego, a vejo reduzida

a um morrão de vela sobre o monte,

em que só tisne nos dedos me sorriu!

NA TOCAIA DO PRONOME II

Ora, eu sempre preferi talar em Tu,

distância sempre a dar para o Você,

que intimidade só para mim se dê

nesse Tu bem mais breve e menos cru.

“Você” me lembra muito mais frufru,

fricotes de mulher que não se crê,

promessas que cumpridas não se vê,

perfume apenas de um panelão de angu.

Mas que fazer, se a pátria é dominada

pelos estados do Brasil central,

em que Você é o tratamento natural?

Minha mente assim se vê emparelhada

com o veloz sotaque nordestino,

que como eu ama o Tu, com igual destino.

NA TOCAIA DO PRONOME III

E igual foi vida que me impôs você,

mas não somente seu vago tratamento,

que não adorna em mim o sentimento,

nem a você impõs que amor me dê.

Minha paixão é insistente, assim se vê,

mesmo mesclada com meu pensamento,

mesmo rajada por meu julgamento,

que amor se espera, mas nele não se crê.

Porém prefiro te amar no meu fraseio,

na luz mortiça de minha conjugação,

que nossos corações nos mostre a nu,

sem trocadilho com ave negra de permeio,

pois quero apenas conjugar teu coração

e que declames comigo em som de Tu.