DOCE AMOR – Gonçalves Dias

Doce Amor – a sorrir-se brandamente

Em sonhos me falou com tal brandura,

Que eu só de o escutar vida mais pura

Senti coar-me n’alma fundamente.

Depois tornou-se o tredo fogo ardente

Que o instante, o ano, a vida me tortura.

Bem longe de gozar tanta ventura,

Cresta-me o rosto agora o pranto quente.

Homem, se homem és no sentimento,

Não zombes, não, de mim tão desditosa,

Nem seja o teu alívio o meu tormento.

Deixa-me a teus pés cair chorosa,

Soltar no extremo pranto o extremo alento,

Que eu morrendo a teus pés serei ditosa.

Rio de Janeiro, 06 de novembro de 1847

Em: Poesia Póstuma (1844-1864)

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Antônio Gonçalves Dias (Caxias-MA, 10 de agosto de 1823 — Guimarães, 03 de novembro de 1864) foi um poeta, advogado, jornalista, etnógrafo, teatrólogo brasileiro e um ávido pesquisador das línguas indígenas e do folclore brasileiro.

Ele é tido como o primeiro poeta autêntico do movimento romântico no Brasil. Tendo influenciado outros grandes nomes da literatura nacional, desde Álvares de Azevedo a Manuel Bandeira, passando por Machado de Assis e Olavo Bilac, o autor de “Canção do exílio” é o patrono da cadeira nº15 da Academia Brasileira de Letras.

Foi estudar em Cuba, em Portugal, onde em 1838 terminou os estudos secundários e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1840), retornando em 1845, após bacharelar-se. Mas antes de retornar, ainda em Coimbra, participou dos grupos medievistas da Gazeta Literária e de O Trovador, compartilhando das ideias românticas de Almeida Garrett, Alexandre Herculano e António Feliciano de Castilho. Por se achar tanto tempo fora de sua pátria inspira-se para escrever a Canção do Exílio e parte dos poemas de “Primeiros cantos” e “Segundos cantos”; o drama Patkull; e "Beatriz de Cenci", depois rejeitado por sua condição de texto “imoral” pelo Conservatório Dramático do Brasil. Foi ainda neste período que escreveu fragmentos do romance biográfico “Memórias de Agapito Goiaba”, destruído depois pelo próprio poeta, por conter alusões a pessoas ainda vivas.

No ano seguinte ao seu retorno conheceu aquela que seria a sua grande musa inspiradora: Ana Amélia Ferreira Vale. Várias de suas peças românticas, inclusive “Ainda uma vez — Adeus” foram escritas para ela. Nesse mesmo ano ele viajou para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, onde trabalhou como professor de história e latim do Colégio Pedro II, além de ter atuado como jornalista, contribuindo para diversos periódicos: Jornal do Commercio, Gazeta Oficial, Correio da Tarde e Sentinela da Monarquia, publicando crônicas, folhetins teatrais e crítica literária.