O FADO DA VIRGINDADE / O FADO UMBIGO / O FADO DO EGOTISMO

O FADO DA VIRGINDADE 1 – 22 SET 22

Quero buscar nos outeiros da memória

qualquer lembrança que ainda seja virgem;

ao contrário da mulher, somente surgem

lembranças virgens da mais longa história;

na adolescência, quando hormônios agem

com mais potência, de forma peremptória,

é quase um fardo, quase condenatória,

que os desígnios da raça ao redor rugem.

Eu quero achar a memória solteirona,

ou aquela que encerraram num convento,

ali forçada a conservar sua candidez,

toda escondida em obscura zona,

ali espalhada, já perdido o sentimento,

ainda virgem em seu olvido e sordidez.

O FADO DA VIRGINDADE 2

Eu quero achar a memória a quem disseram

que tocar em si mesma era pecado,

mesmo no banho, que o fruto cobiçado

prazer não desse e seca assim fizeram,

porque a memória vazia então deixaram

e a impediram de com outras ser mesclada,

contingente sendo assim, sempre intocada

e nem sequer os meus anseios a buscaram.

Essa memória, enfim, desposarei,

talvez não seja um doce rebuscado,

mas sob o peso das demais curte seu fado

e lá no fundo do passado a enocntrarei,

talvez memória feia e toda escura,

mas de um retalho de minha vida toda pura.

O FADO DA VIRGINDADE 3

Mas estando ressequida, não viveu;

esse ícor que as outras misturou,

por suas beiradas a passar, nem a tocou

e em virgindade total permaneceu;

quando meu pensamento sua busca concebeu.

achou inteiro e ileso o que sobrou:

na gelatina da memória ela ficou

e um só momento do passado então me deu;

foi muito antiga essa memória esguia,

talvez um choque me fez recuperada,

que nela achei algo de mim que já perdera,

pois somente em virgindade confiaria,

que outra lembrança tantas vezes invocada,

nada traria desse muito que esquecera.

O FADO DA VIRGINDADE 4

Recuso assim qualquer memória adolescente,

em seus hormônios ansiosa por afeto,

já muitas vezes visitada no secreto

por namordo com frequência incompetente,

que a maculou com seu desejo ardente,

por mais que o seu amor fosse dileto.

pois nela misturou algo indireto,

já é bem diversa do que fora inicialmente.

Pois mesmo tendo sido eu o namorado,

no momento em que a chamei, a transformei

e agora lembro só o momento recordado,

não mais o instante puro do passado,

em que por vez primeira o vivenciei,

não mais o antanho, só um presente ensimesmado.

O FADO DO UMBIGO 1 – 23 SET 2022

Dizem que o umbigo da laranja é doce,

mas isso deve depender da qualidade,

muito umbigo já provei na realidade,

que a descrição mais para amarga fosse...

Dizem que amor teu coração remoce,

mas também isso depende de tua idade,

que adolescente não requer a mocidade,

de que dispõe para si em ampla posse!

O adulto jovem, ao remoçar, bobeia,

perde boa parte de sua maturidade,

quase criança nesse fogo que o incendeia;

na meia-idade cai mais certo nessa teia,

já redesperto para a sensualidade,

mesmo que em amor seu coração descreia.

O FADO DO UMBIGO 2

O umbigo da mulher também é doce,

mas com frequência assolado por rumor,

inquieto brota de seu rubro interior,

ou sofre a contração de alguma tosse!

Mas é preciso que o rosto ali se roce,

para sentir da meiga taça o seu calor,

aquele odor que só reforça o seu doçor

e que de todo o nosso ser reclama a posse!

O umbigo doce da laranja traz a morte,

o umbigo doce da mulher conduz à vida,

as diferenças a tomar conta de nós;

segue a laranja inteira a triste sorte,

mas da mulher o umbigo nos convida

para o desate dos mais arcanos nós!

O FADO DO UMBIGO 3

Quando do amor a corta se desata

e ao redor da alma então coleia,

o corpo inteiro nesse amor se enleia,

corda com corda que em breve já se engata;

mas quanto a corda ao invés te desacata

e esse favor que se buscava em corda alheia,

não deseja o teu nó e não se ateia,

sempre algum fio dentro do peito mata,

que essa corda de amor feita de prata,

precisa dos dois lados ser fusão,

formado um nó de sua plena interação,

que cada laço com outro se relata,

e ponta alguma por prender-se fica,

nessa fusão que amor em dois solidifica.

O FADO DO EGOTISMO 1 – 24 SET 22

A falta de confiança conflagra o azedume,

todo excesso de amor levando a nada,

tal emoção se faz fogueira desvairada,

como o Fogo de Nessus que a Hércules consume;

quanto homem já foi morto por ciúme,

quanta mulher por ciúme assassinada,

chamada casual só mal-interpretada,

ou na lapela qualquer resto de perfume!

Por escutar uma verdade na mentira,

até que ponto sofreu esta Dejanira,

que causou a seu amor terrível morte?

E quanto caso de amor a lei punira,

por ter levado a perniciosa sorte,

nesse egoísmo que tanto ao redor gira?

O FADO DO EGOTISMO 2

Sempre é irreal se esperar devolução

do mesmo sentimento transmitido;

amor algum por igual é retribuído,

amor trocado sempre tem desproporção,

mas todo amor em plena brotação

ao coração para a vida tem nutrido

certos momentos, mesmo de incontido

e noutro instante com certa contração;

mas o ciúme em si mesmo é infração,

pois se projeta a buscar um pagamento,

enquanto amor é coisa livre de se dar,

que se constrói por uma longa duração,

não mais a ânsia de um calórico momento,

mas a certeza de encontrá-lo ao despertar!

O FADO DO EGOTISMO 3

Quem tem ciúme, nada busca partilhar,

é a plena posse de uma coisa material,

não um amor que lhe possa perdurar,

nem um brinquedo em caixote a se guardar,

nem sempre o ciúme derivado do sexual,

mas sensação de que nos vem roubar,

o que tomamos por direito natural,

mesmo não sendo por escolha consensual...

Quando se fala em ciúme, amor se pensa,

mas em quanto mais se prende o ciumento?

Casa, dinheiro, um autoral direito...

Enquanto amor é coisa muito extensa,

em que se oferta de graça o sentimento,

que em sua saída mais nos preenche o peito.

O FADO DO EGOTISMO 4

Pois amor nunca se vende e nem se troca:

poderás mesmo vender o teu carinho,

ou trocar fidelidade no caminho,

porém o amor perfeito não se invoca,

que amor não se aluga e nem se aloca,

podes teu corpo alugar por um pouquinho

ou alocar a tua presença em certo ninho,

mas do amor vero nem um traço se desloca.

Só a amizade a desenvolver-se com o costume,

mas se amor ganhas, se amor alguém te deu,

foi que em seu próprio coração ardeu seu lume.

Por isso é coisa tão inútil ter ciúme,

pois se amor deste, foi por desejo teu

ou por desejo que o amor te prometeu...