O FADO DO PROFETA / O FADO DOS VATES / O FADO DOS LUZEIROS

O FADO DO PROFETA I – 19 SETEMBRO 2022

Passa fome, João Batista! Os gafanhotos

não nos perseguem como antigamente,

até mesmo o mel da abelha é diferente,

que as abelhas africanas deixam rotos

os corpos dos que picam. Padres doutos

afirmarão no Brasil hodiernamente

que João Batista ficaria descontente

e até aprenderia a andar de motos

para ir até Brasília e condenar

esse milhar de Herodes que há por lá,

especialmente quem tiver maior mamata

e levaria o narcotráfico a cortar

novamente a sua cabeça e acolá

oferecê-la a uma nova candidata!...

O FADO DO PROFETA II

Talvez Batista preferisse palmilhar

nossas estradas e seu asfalto escuro,

passo após passo em seu caminho duro,

quiçá mosquitos da dengue indo caçar,

porque as locustas raramente ia encontrar

e refrigerante achasse num monturo,

pela metade, bem diverso do mel puro,

que em rodovias inutilmente iria buscar.

Mas se o Batista caminhasse lentamente,

talvez chegasse o tempo da eleição,

sem receber o novo título de eleitor,

que surgiu hoje nova mania inclemente,

de só por aplicativo ser a sua obtenção

e de celular não disporia o Pregador!

O FADO DO PROFETA III

Não mais existe dos Sete Véus a dança,

já está completamente nua Salomé

e ao ver João Batista andar a pé,

talvez carona oferecesse com voz mansa;

vendo sua fome, algum sanduíche alcança,

comeria o Precursor presunto até

e Salomé acelerando avança...

Vai até o Palácio da Alvorada,

a ver se Herodes está morando lá,

mas é orientada à residência do Supremo,

onde de Herodes encontra até manada:

de João Batista a cabeça pedem já,

sem ter espada, a lhe servir veneno!

O FADO DOS VATES I – 20 SETEMBRO 2022

“Quando amor em triste cárcere se encontra...”

Até parece uma lamúria de Camões!

Que claramente expunha as emoções,

em que sem pejo seu interior demonstra.

Certamente de tal estro não sou contra,

mas me limito a fazer suposições

ou possivelmente apresentar objeções

quando outra voz contra a minha se remonstra.

Mesmo Petrarca tendo criado este modelo,

Camões foi criador do soneto português,

com suas próprias características bem marcadas.

Quanto ao verso inicial, não me recorda lê-lo,

mas está justamente nesse estilo que nos fez

o grande vate em suas canções apaixonadas!

O FADO DOS VATES II

Honestamente eu afirmar não poderei

que siga o estilo por ele demarcado,

na verdade, o que redijo é tão variado,

que da autoria muitas vezes duvidei.

Receber inspiração já de muitos confessei,

o que percebo é cada texto marchetado,

em minhas meninges de antemão já completado,

tésseras prontas do mosaico que gravei

e fantasio que são poetas do passado

que as harpas tocam nesse acompanhamento

de cada canto de seu padecimento,

quando se ajoelham, suplicantes, a meu lado

ou então se impõem no fragor desse momento,

até que tenha a salmodia completado.

O FADO DOS VATES III

Mas será que realmente sou passivo,

que abro a mente para cada flibusteiro,

em sua galera um tesouro seresteiro,

caveira e tíbias na bandeira em tom esquivo,

que em meu cérebro, na abordagem incisivo

lance seus ganchos e o tombadilho inteiro

cubra do sangue que me defendeu primeiro

e então me aplique seu golpe decisivo?

Ou os recolho de um mísero escaler,

no oceano a vagar inermemente

e os braços abro para o náufrago presente,

minha água e meu pão a partilhar

e então recebo, em gratidão presente,

o seu mapa de tesouro a me guiar...?

O FADO DOS LUZEIROS I – 21 SET 22

O problema do amor é que perpétuo

só permanece durante um curto prazo,

cedo se esgota e vai ficando raso,

por mais que seja fruído intensamente.

O problema é que amor é um fogo-fátuo,

girando pelo prado em seu descaso

e nas farândulas de luz em que me abraso,

queimo minhas íris em seu luzir frequente.

Que essas curvas cintilantes logo somem,

curvo meus dedos sem tocar sua tinta,

sem ao menos me queimar em cada finta;

bailam no ar, que em sua ilusão me tomem,

sempre fugazes em mil e uma serpentinas,

de minhas pupilas velozes assassinas!

O FADO DOS LUZEIROS II

O problema do amor é ser constante

o nosso anseio por prender tais fitas,

as breves luzes nos prados tão bonitas

e seu traçado irreal tão elegante,

mas cada luz acende e apaga num instante

e no carinho das retinas são benditas,

mas cada círculo incompleto dessas chitas

logo se apaga em nova lágrima inquietante,

que um novo amor já bebemos sem pensar,

diante dos olhos se acha a nos cremar,

sempre o desejo apontando mais adiante,

quando atingido a perder o seu brilhar,

que outro desejo nos ouvidos vem chamar,

em seu desgaste perpétuo e circundante...

O FADO DOS LUZEIROS III

Não obstante, o vagalume de um amor

não é um Fogo de Santelmo venenoso,

mas se limita em fogo-fátuo caprichoso,

quando se toca, já se perde o seu calor,

porém eu busco solidificar esse esplendor

e conservá-lo em meus dedos, dadivoso,

na lapela, bem junto ao coração, algo formoso,

preso em medalha do mais real valor;

mas é preciso então se conformar,

porque esse amor realmente se conserva

só na meiga melodia do carinho;

não é um luzeiro que se vá capturar,

mas algo sólido, que nos braços se reserva,

ainda que fosco, a dar-nos paz pelo caminho.