TRILHA DE SONETOS LXXVI– DIÁLOGO COM A PINTURA “O GRITO - 1893", de Edvard Munch
*AGORAFOBIA*
Ó descontrole mórbido que aterra
E o mundo interior se desordena,
A criatura grita, triste cena,
Na cela imaginária sobre a terra!
A consciência encolhe e se condena,
Enquanto o inconsciente grave berra,
Levando o ser ao desespero, à guerra,
Penalizando quem criou a pena.
Em confusões mentais, produz um vulto
Na progressão do assustador tumulto
Que altera o seu funcionamento orgânico...
E passa o instante de suplício oculto,
Sentindo na lembrança o próprio insulto
Causado pela Síndrome do Pânico.
Ricardo Camacho
*O GRITO*
O grito, se de dor ou de euforia,
por certo, que extravasa um sentimento.
Quem grita, sempre expressa e denuncia
o que viceja n’alma, o seu sustento…
Em meio à imensidão e à calmaria,
destaca-se a partilha do lamento.
E mesmo um manifesto de alegria,
ressoa muito além, no firmamento…
Por vezes, é o semblante que nos fala.
A voz de quem padece hesita e cala,
fazendo do silêncio o seu escudo.
E o rosto, mapeando a dor intensa,
expressa muito mais do que ele pensa,
ouvimos, com clareza, um grito mudo!
Elvira Drummond
*DEPRESSÃO*
Desordem, medo e susto à luz do dia,
angústia funda, mágoa que envenena...
Um céu de sangue cobre a triste cena,
um grito ecoa dentre a tarde fria.
A consciência curva-se à arrelia
e nada sente além de amarga pena.
A confusão transforma a tez serena
na própria encarnação de dor sombria.
Criam-se cela e grades nas janelas,
apagam-se os azuis das arandelas,
e a mente não encontra o que a conforte.
Envolta em negação apenas grita,
toda a existência torna-se proscrita
e segue assim... A vida em lenta morte!
Geisa Alves
*O GRITO*
O grito ressoou do ser cativo,
extravasando a dor e ansiedade,
ao perceber no céu a gravidade
da nuvem que escorria o sangue vivo.
Confuso, respirava um ar nocivo
cheio de angústia e medo, e a tempestade
sentimental gerou a insanidade
da andrógina figura; um morto-vivo.
Língua de fogo sobre o mar escuro
vinha do inconsciente, e o olhar impuro
vertia as chamas desse seu conflito.
Os olhos, castigados de terror,
expressam com firmeza a sua dor,
vibrando pela natureza o grito!...
Aila Brito
*ANGÚSTIA*
A ansiedade, angústia reprimida,
Revela a deplorável aparência
Humana quando sua consciência
Sofre os percalços, triviais, da vida.
A natureza perde a colorida
Visão que representa a própria essência;
O belo passa a ter total ausência...
Viver se torna meta dolorida.
No quadro, "Munch", também protagonista,
Propõe a imagem expressionista,
Assim, criando inédita corrente...
A qual enfatizava os maus momentos
Guardados no covil dos pensamentos
Daquele que, da mente, está doente.
José Rodrigues Filho
*GRITOS DO SILÊNCIO*
Enrubescido o céu da indiferença
da infinda galeria do horizonte,
naufraga solitário pela ponte,
independente de qualquer presença,
aquele que, na mais inútil crença,
espera que o seu brado vil desponte
e aos poucos se transforme numa fonte
de interminável luz da benquerença.
Se a solidão insiste, sem dar tréguas,
e furta do clamor pretensaa réguas,
no apelo inconformado de um artista,
sufoca o eterno grito na garganta,
ao perceber que a angústia se agiganta
na trave que se abriga em sua vista.
Adilson Costa
*O GRITO*
O céu cuspia línguas como fogo,
E as nuvens cor de sangue, pesarosas,
Sofriam com as dores escabrosas
Da triste criatura no seu rogo.
O mundo, indiferente e demagogo,
Não ouve a voz das queixas tão penosas
Das almas miseráveis e arenosas,
É assim que a natureza faz seu jogo.
Um grito enorme estronda de pavor,
Um homem, em angústia e desespero,
Eleva aos altos céus o seu clamor.
Um brado em que ressoa o destempero,
Provoca um triste efeito arrasador,
Rasgando a grossa linha do exagero!
Luciano Dídimo
*O GRITO*
Trago no olhar o horror do imenso medo
que me ameaça e, sempre que me invade,
desanca o tempo que antes era quedo,
deixando sem razão qualquer verdade!
Um grito mudo surge e um gosto azedo,
dentro da boca, acirra a ansiedade,
nesse perecimento eu só me excedo
e a paz etérea que sonhei se evade.
Em cada vulto vejo um inimigo,
no que era azul impera um fogaréu,
tudo me afeta, até a cor do céu!
A realidade não está comigo,
não sigo, não respiro, perco o norte,
só grita em meu semblante a dor da morte.
Janete Sales Dany
*CORRENTEZAS*
Sondar o coração do ser humano
é mergulhar nas águas colossais
que dele fazem lídimo oceano,
sujeito a imprevisíveis temporais.
Ao sentimento não se entrega um plano
e, embora a calmaria dê sinais,
as emoções, no seu furor cigano,
desprezam o sorriso dos fanais.
Assim se vive e, destas incertezas,
trazidas pelas tantas correntezas,
o desconsolo, às vezes, é servido.
Na vida, não se encontra alguém imune
ao sopro do pesar que, quando zune,
eleva o tom de um grito reprimido.
Jerson Brito