O FADO DA AQUIESCÊNCIA / O FADO DA SUBMISSÃO / O FADO DO DIABRETE
O FADO DA AQUIESCÊNCIA I – 13 SET 22
Até que ponto eu sonharei o sonho
ou até que ponto pelo sonho sou sonhado?
Será o teu sonho em que sou imaginado,
o meu poder sobre esse sonho algo bisonho?
Até que ponto ao porvir eu me proponho,
nada mais sendo que o refletir de meu passado?
Até que ponto esse vulto do meu lado
sonha a quimera em que agora me reponho?
Quem sabe é o sonho que a nós dois sonhou,
em algum capricho pleno de erotismo:
não sonho a ti e nem tu sonhas a mim,
mas é esse sonho que a nós dois criou,
para sua própria decoração e solipsismo,
estátuas vivas em seu domínio enfim...?
O FADO DA AQUIESCÊNCIA II
Se eu fosse um sonho, decerto pensaria
ser bem real nesse mundo do sonhado,
meu julgamento quiçá muito apressado,
que igual à realidade eu sentiria...
Se eu fosse um sonho, como saberia
que por outrem fora tão só imaginado,
concebido em algum peito mal-amado,
que como príncipe do sonho me acharia.
Se eu fosse um sonho, decerto julgaria
ser o senhor desse páramo encantado,
nosso encontro qual um sonho meu seria,
na pretensão de um sonho bem formado,
que à própria criadora lançaria
olhar de posse, qual a tivesse imaginado!
O FADO DA AQUIESCÊNCIA III
Porém sem margem de dúvida, acontece
que nas andanças pelo mundo do sonhar,
cedo ou mais tarde a ti vou encontrar,
quando a alegria no meu peito desce,
quando o domínio de meu sonho cresce
e em suavidade te vejo a me encontrar,
teus olhos brilham desse modo singular,
que me provoca um amor que nunca cesse.
Então te sinto qual resposta à minha prece,
mas será que só existe Oneiros a controlar
esse mundo amoroso que me aquece?
Que então te vejo e sonho o teu perfume,
chegas num beijo pleno a me abraçar,
meu coração na lamparina de teu lume.
O FADO DA SUBMISSÃO I – 14 SET 22
Muita palavra é puro palanfreado,
repetições somente e sem sentido,
mas repetidas, emprenham pelo ouvido,
muito soneto sendo apenas soneteado,
que espalho pelo vento em descampado,
até as alturas de majestoso olvido,
até as cavernas de cada amor perdido,
até as planuras do mar de ódio gelado.
Cada soneto, à sua maneira, é deus alado,
águia e condor nos píncaros da glória,
pardal pequeno debicando a própria história,
cada soneto por si mesmo apaixonado,
pela delícia do som que traz sua lavra,
pelo orgulho com que tragou cada palavra.
O FADO DA SUBMISSÃO II
Já fui teu pai em outra redação,
eu te amei pura, mas incestuosamente,
durante o parto teu eu fui presente,
contracenando com tua própria gestação.
Cada poema tem sua própria geração
e a mim envolve em adultério ardente,
a influenciar-me em seu fervor potente,
seja o que for que pretenda sua emoção.
Do mesmo modo que chego a suspeitar
que eu seja apenas um fragmento de teu sonho
ou que o onírico a ambos nos surpreenda,
algumas vezes então me flagro a imaginar,
se é o poema que julgo que componho
ou é o sentido do verso que me engendra.
O FADO DA SUBMISSÃO III
Porque a palavra não é apenas palavreado
em cada verso marchetado num quarteto,
é sempre-viva em seu poder secreto,
é sempre-morta tão logo o verso completado.
Nem o soneto se limita ao soneteado,
não só de me inspirar brando objeto,
pois me recobre debaixo do seu teto
e a mente oprime em fragor de trombeteado.
Nesses momentos, eu me ponho a suspirar,
ao perceber-me como algo de invisível,
tão transitório como o sonho do impossivel,
puro reflexo de um soneto a me criar,
que me transporta do abstrato até o concreto,
minha própria alma apenas linha de um soneto.
O FADO DO DIABRETE I – 15 SET 2022
Pode mesmo dar impressão de uma tolice,
mas os Poltergeister requerem minha crença,
talvez não passem mais do que sabença,
talvez se movam sem que a gente aviste.
Nenhum Poltergeist pretenderá ser triste,
será um serzinho que se diverte sem ofensa,
sua intervenção uma surpresa intensa,
quando o efeito some e já não mais existe.
Não me diga que nunca reparou
que um objeto diante de si desaparece,
sem que adiante em toda parte procurar?
Mas de repente, no lugar em que o deixou,
lá está ele, tal qual se nunca cesse
sua permanência onde de novo o foi achar?
O FADO DO DIABRETE II
Algumas vezes vou a tesoura procurar,
que fica em cima da mesa, juntamente
com lupas, pinças, material frequente,
que em filatelia é meu costume utilizar.
Mas onde está a tesoura, onde a achar?
pois me sumiu do lugar certo, simplesmente,
mas ando à roda, a pesquisar, de descontente:
por acaso a coloquei em outro lugar?
E não a encontro sobre a escrivaninha,
em prateleira não está, nem nos balcões:
por acaso a guardei numa gaveta?
Quando me canso, quase escuto risadinha:
lá está ela, sem sombra de ilusões,
quem foi que a fez tão inacessível e secreta?
O FADO DO DIABRETE III
Com outras coisas acontece por igual,
mas que máscara as terá feito invisíveis
e então erguesse tais capas incríveis:
lá estão à vista, em seu pouso habitual!
O Poltergeist não me deseja o mal,
só tempo rouba em suas ações risíveis,
na insegurança de situações imprevisíveis,
que logo abranda de maneira natural...
E não me diga que nunca lhe ocorreu
a intensa busca por algo desejado,
que apenas poderá ser encontrado
quando a procura de outra coisa aconteceu:
ali está sua fita métrica ou a sua agulha,
brilhante e clara, sem causar mais bulha!