O FADO DA TROCA / O FADO DO ENCONTRO / O FADO DO ABANDONO

O FADO DA TROCA 1 – 10 SET 22

Não é sempre que se consegue conhecer

O amor inevitável de uma vida,

Se outra paixão quer ser reconhecida,

Outro desejo que a si quer satisfazer,

Que nesses desencontros do querer

Alguma lasca deve ser partida,

Se ao desajuste a gente dá guarida,

Tanta fatia de alma a se perder!

Que em realidade, bem pior é a solidão,

Ou conservar algum desejo insatisfeito,

O amor que falta com outro se consola

E assim se aceita, em troca da ilusão,

Algo concreto, mesmo que imperfeito,

Mas que preenche o vazio que nos assola.

O FADO DA TROCA 2

Mas de repente, quando já menos se espera,

Lá está essa pessoa inusitada,

Que aos poucos se faz mais adorada

E a escolha antiga facilmente já supera;

Mas cada hora perdida desespera,

Que não foi corretamente aproveitada.

O amor aceito não nos levou a nada,

A sede intensa jamais se desaltera.

Onde a coragem para romper com tudo,

Esses laços sociais que nos prenderam?

Mesmo em tristeza, existe a segurança,

Cada “Eu-te-Amo”a pronunciar com lábio mudo,

Em gratidão pelo que nos concederam,

Vale um abraço final nessa esperança?

O FADO DA TROCA 3

Mas nos percorre esse amor inevitável,

Que sobre nós atirou-se de emboscada

Ou apresentou-se em termos de embaixada,

Trajo a rigor, por se saber interminável.

Abandonar a quem se teve é condenável,

Que nos deu tudo e a quem deixamos nada,

Porém é parte da vida superada

E o amor real se mostra insuperável.

Pois este amor que se achou é verdadeiro,

Por mais longo seja o tempo que levou,

Sem mais arestas a serem aparadas

E nos encara com gesto sobranceiro,

No mesmo instante em que nos dominou,

Corrente mútua a duas almas destinadas.

O FADO DO ENCONTRO 1 – 11 SET 22

Eu te encontrei no meu país de sonho,

A Onirosfera, enquanto ali pairava,

A tua imagem para mim então flutuava,

O teu olhar inquieto e até bisonho;

A cada noite, sem hesitar eu ponho

O meu espírito, que em sonho se destrava,

Sem quaisquer peias e que tudo desbrava,

Pelas veredas desse local risonho.

Ali encontro vultos com frequência,

A quem saúdo e que me reconhecen,

Nenhuns maus sonhos por ali me descem;

Cidades vejo, potentes de aparência,

A que retorno em qualquer noite seguinte,

Nessa aquarela que minha quimera pinte.

O FADO DO ENCONTRO 2

Eu sei que és tu no sonho persistente

Mesmo que o corpo e o rosto que diviso

Sejam diversos da face que hoje aliso,

Ao despertar de meu leito antes jacente;

Estranhos rostos, talvez, nessa insistente

Imensidão do solo que ali piso,

Vejo em teus olhos um brilhar de riso,

Sinto o amor que está neles permanente.

Por mais estranha que pareça a imagem,

Por mais igual que noutro sonho se apresente,

Sei estás perto e posso te abraçar,

Embora, algumas vezes, a visagem,

Se desvaneça então, sumariamente

E nesse sonho não mais possa te encontrar.

O FADO DO ENCONTRO 3

Mas sonho é sonho, ou o oposto é verdadeiro,

Que esta vida desperta não passe de ilusão.

Falso é o evento que me traz inquietação,

Dentro do ambiente que se mostra corriqueiro?

Será que guardo no interior do travesseiro

Algum vírus de amor a despertar-me o coração,

Sempre que os olhos bem cerrados ficarão

E então deslize para um mundo mais certeiro?

Só sei que ali nosso encontro é diuturno,

Chegas pairando sem tocar o solo,

Chego flutuando para te abraçar,

Muito mais vivo esse viver noturno,

Quando te aperto firme contra o colo

E não me canso jamais de te beijar!

O FADO DO ABANDONO 1—12 SET 22

Os meus sonetos partem desarmados,

Para enfrentar o mundo e todo o mal,

Sem bandoleira, sem cantil e sem bornal

Que na incerteza, um a um, serão lançados;

Para o mundo irão assim, abandonados,

Em conjuntos de três, na espectral

Expectativa de proteção mutual,

Os seus retornos, de fato, inesperados.

Porque são tantos, que até mesmo esqueço

E me surpreendo quando leio algum:

Quando foi e por que esse escrevi?

Logo a seguir, novamente me despeço,

Sem sobrar tempo para decorar nenhum:

Para onde irá mais esse verso que perdi?

O FADO DO ABANDONO 2

À sua maneira, são ricos deserdados,

De escudo branco, sem qualquer brasão;

Nem mesmo os títulos escolho de antemão,

Talvez sugiram, sendo assim designados.

Mas para a justa ou no torneio são chamados

E ainda conservam sua mais fiel noção,

Até o momento de sua execução,

Ou quando são, após a luta, consagrados.

Então eu sinto, em parte, que agi mal,

Que ao menos uma certa mesada lhes devia,

Mas como sustentar toda essa grei?

Existem leis contra o abandono de animal,

Será que um dia alguma multa pagarei

Porque os sonetos sem proteção mandei?

O FADO DO ABANDONO 3

Mas quando penso, sou forçado a confessar

Que eu mesmo ao mundo parti despreparado,

Para as práticas sociais inadequado,

Será que o esquema repito em meu cantar?

Foi tão difícil!... Sempre tive de lutar

Para alcançar meu lugar determinado,

Pouco importante, assim seja declarado,

Penhasco íngreme em que pude me firmar...

O meu bornal só continha biblioteca,

O meu cantil cheio só de melodia,

Na mochila só levei filatelia...

Cada soneto vista então sua própria beca,

Seu próprio âmbito que vá delimitar,

Onde quiçá mina de ouro possa achar!