TRILHA DE SONETOS LXX - DIÁLOGO COM A PINTURA "MENINAS AO PIANO- 1892", de Pierre Auguste Renoir
*DO OUTRO LADO DA TELA…*
Parece tudo tão familiar,
que, num segundo, insiro-me na tela…
Magicamente, faço parte dela,
estou em casa, em meio ao próprio lar.
E o mais estranho digo, ao vislumbrar,
que reconheço a esplêndida arandela,
de tão dourada, brilha mais que a vela.
Na minha sala, esteve o Renoir…
Escuto agora um velho minueto,
que menciono, aqui, em meu soneto,
compartilhando o som com o leitor…
Estou diante, sim, do inusitado,
jamais pensei passar ao outro lado…
Atravessei, no tempo, um corredor?
Elvira Drummond
*A VOZ DE DEUS*
Numa manhã de brisas cristalinas,
cheia de sol e brilho pelos ares,
dedilham, sorridentes, as meninas,
longe dos meus silêncios tumulares.
Numa manhã sem brumas ou neblinas
as moças tocam hinos salutares;
as suas notas doces e divinas
contrastam com os meus ruidosos mares.
Velho piano, rota partitura,
no preto e branco, o mago som que cura,
mas meu vazio rude insiste e grita.
A música ressoa pela sala,
persisto num elã de interpretá-la
e ouvir talvez, de Deus, a voz bendita!
Geisa Alves
*MATIZES DO PASSADO*
As cores em matizes, na harmonia
ambiental, preenchem todo o espaço...
O meu sentido, no êxtase, recria
aqueles tons, lembrando o bom regaço!
As tardes eram cheias de alegria...
E a tela muda grita e me embaraço!
Escuto o som da voz que em mim urdia
cada momento desse estreito laço!
Rostos felizes, belos, juvenis,
cantarolando a vida em multicores...
Foi bem assim, um dia, o nosso plano!
Agora vejo, em tela, os sonhos gris,
já desbotadas, pelo tempo, as cores
e recostado, ao canto, o meu piano!
Aila Brito
*HERANÇA*
As duas damas com as mãos macias
Combinam notas musicais, vibrantes,
Inebriando de emoções, magias,
O doce lar com as canções marcantes.
As teclas de ébano e marfim, tão frias,
No vivo inverno, desde os meses antes,
São aquecidas com sessões nos dias
Que afloram belos e eternais instantes.
Nessa volúpia que um acorde imprime,
A professora, em doação sublime,
Repassa a clássica lição, com calma,
Ao som de Liszt e sem nenhuma pressa,
Com muita graça e devoção confessa,
Entrega a herança musical, com alma.
Ricardo Camacho
*ANSEIOS MELODIOSOS*
Quem dera entrar no quadro emocionante,
e então me aprofundar na sintonia...
Queria, pelo menos, num instante,
ter o prazer de ouvir a melodia.
Quem dera ter a chance fascinante
de dedilhar com elas neste dia!
Olho diversas vezes... sou amante
de tudo que parece poesia.
Bela pintura e não expõe engano:
duas meninas tocam num piano...
Há um dourado exposto em toda cena.
O nome delas... Rita, Filomena,
ou Ana!? Pouco importa na verdade,
agora vou voltar à realidade!
Janete Sales Dany
*O PIANO*
As moças dedilhando seu piano,
Despertam o sonhar adolescente,
Tornando o coração incandescente,
Alheias à ventura ou desengano.
As notas musicais, sem qualquer plano,
Saltitam de maneira irreverente,
Dançando a melodia alegremente,
Levando cor ao lar cotidiano.
As moças pueris, entre sorrisos,
Extraem do teclado nova vida,
Ainda que com certos improvisos.
A arte de tocar é concedida
Àqueles escolhidos, sem incisos,
Sensíveis à beleza desmedida!
Luciano Dídimo
*A VOZ DE DEUS*
A mais sublime partitura exalta
os dedos femininos da inocência,
na busca infinda da ideal cadência,
recolorindo as luzes da ribalta.
As tintas bradam pela irreverência
da ingênua nota magistral em falta,
desconstruindo a tênue linha incauta
do preto e branco dessa efervescência.
A sincronia que atravessa as eras
e ressuscita todas as quimeras,
conquista a vida eterna nos museus
do mundo inteiro sem qualquer segredo,
ao revelar que a inspiração do dedo
se nutre sempre pela voz de Deus.
Adilson Costa
*INDELÉVEL INSTANTE*
A histórica pintura mais parece
Uma fotografia pincelada...
"Meninas ao Piano" nos agrada
Porque registra o que a memória esquece.
A obra impressionista permanece,
Bem como a sinfonia dedilhada...
A música se faz eternizada
Na conjunção que o encanto fortalece.
A partitura enquadra a perspectiva:
A jovem ao piano, mais altiva,
Domina o espaço exposto pela tela.
O "Renoir", de fato, superou-se;
No quadro, com Apolo equiparou-se,
Na plêiade, entre estrelas se constela.
José Rodrigues Filho