TRILHA DE SONETOS LXVIII – DIÁLOGO COM A PINTURA “ROLLA-1878”, DE HENRI GERVEX

 

*MERETRIZ*

 

Neguem-se o olhar maldoso e reticente

à meretriz, por seus banais labores

e nada mais, senhoras e senhores,

verão: é carne, e fere, e sofre, e sente!

 

Dispam-se todos… santos… pecadores…

Não são melhores, quem melhor se sente

e na surdina e, tão constantemente,

anda a pagar pelos venais “favores.”

 

Maldito seja quem de um rico berço

vive a rezar sem conhecer “o terço”

da vida alheia e seus reais suplícios.

 

Que seja toda empáfia esfacelada

no decorrer da própria caminhada

ao conhecer os próprios precipícios.

 

Edy Soares

 

 

*APÓS...*

 

Em pose eternizada na pintura,

Nos êxtases de um ato adocicado,

Aos fluidos de uma orgásmica mistura,

Conserva-se o casal aliviado...

 

Deitada, a feminina criatura,

Nos braços de Morfeu e do pecado,

Tão bela, seminua, amada e impura,

Banhou de mel seu homem, logo ao lado...

 

Ambos beberam, sim, da mesma fonte,

Ambos voaram muito além do monte,

Até o instante de não mais poder...

 

Ambos contaram astros sobre a ponte,

Da mesma cama, viram o horizonte

Numa explosão do máximo prazer!

 

Ricardo Camacho

 

 

*A DAMA*

 

Em lúbrica postura sobre o leito,

descansa a dama os seus carnais pecados

e a desventura dos pesados fados

que a estimularam nesse contrafeito!

 

O homem ao lado, indiferente ao feito,

em sua frialdade e sem cuidados,

paga o valor, por seus gentis agrados,

sem um pequeno gesto de respeito!

 

E a dama em sua solidão pernoite

nos braços álgidos que a excita o açoite

marca no peito a dor da cicatriz!

 

E penhorando os débeis devaneios,

por pouco instante de prazer e anseios,

vive infeliz, a pobre meretriz!

 

Aila Brito

 

 

*A MERETRIZ…*

 

Acusam-me de excessos, de luxúria,

de usar sorriso ardil e olhar de assédio.

Afundam-me num mar de tanta injúria,

que o lodo da desonra ofusca o nédio!

 

Por certo, que jamais me entrego à fúria

e, enquanto vendo o corpo, espanto o tédio

dos homens que no lar impõem a espúria

e têm na minha carne o seu remédio.

 

Difícil é a minha vida fácil,

que além de uma aparência doce e grácil,

no corpo farto, o afeto faz jejum…

 

Se os homens sempre aquecem minha cama,

meu coração gelado só desama…

Os homens tenho todos e nenhum!

 

Elvira Drummond

 

 

*MULHER DE VIDA FÁCIL*

 

Deitou, na alcova, nua e sem pecado,

sob o lascivo olhar do benfeitor,

na forma do ilusório e grande amor

indiferente às juras do passado.

 

Se vaga pelo céu do despudor

e não enxerga o corpo violado

no mais legítimo prazer negado

em troca de dinheiro, pranto e dor,

 

enverga a vestimenta da alegria,

ao ofertar ao mundo a infinda orgia

que falsamente atesta ser feliz.

 

Se muda o nome, não recua a luta

da infante que se assume prostituta,

mulher de vida fácil, meretriz.

 

Adilson Costa

 

 

*"ROLLA"*

 

Completamente nua, ali deitada,

Repousa a mais perfeita criatura...

Trejeitos ostentados, na pintura,

Indicam uma monta consumada.

 

Por que negara o amor, ao ser amada,

Para tornar-se dama, vil, impura?

O traço do pincel expõe doçura

Naquela relação, carnal, comprada.

 

Garota de programa ou rapariga,

Suspeita profissão, assaz, antiga,

Consegue dar beleza à rara tela.

 

"Gervex", então, amante dos bordéis,

Pôs ao dispor das putas seus pincéis...

No quadro a sua audácia se revela.

 

José Rodrigues Filho

 

 

*MULHER DE TODOS*

 

Este silêncio aponta o que preciso:

apenas ir... é o fim da noite intensa.

Não deixarei sequer algum aviso,

suponho que a moçoila até dispensa!

 

Agora está dormindo, esboça um riso,

e o meu olhar enfrenta a indiferença...

Possui um erotismo que priorizo,

admito que a paixão virou doença!

 

O corpo perfumado, exposto ainda,

aflora o meu querer que nunca finda,

mas sei que logo mais um vai chegar...

 

Assim que me encontrou, ali no bar,

não perguntou se sou rapaz solteiro,

somente quis saber do meu dinheiro!

 

Janete Sales Dany

 

 

*MEMÓRIAS DE UMA MERETRIZ*

 

Num vago outrora a forma feminina

expunha-se sem marcas de recato,

mas a mulher com alma de menina,

no rol do amor, colhia anonimato.

 

Corpo de todos, vida libertina,

a quantos dava o seu calor inato?

Tinha vazio e nada por rotina

e a companhia morta de um retrato.

 

O sentimento sempre ao rés do chão,

um beijo quente e um frio coração,

junto ao suor, a lágrima infeliz.

 

Nos fardos da lembrança que a consome

nada sacia o espírito com fome

e nada apaga a fama: meretriz!

 

Geisa Alves

 

 

*AMOR FINITO*

 

O corpo exala a mélica fragrância

e deixa inebriado o pretendente

que nutre o despudor inconsequente

nas curvas sensuais, na exuberância.

 

Olhares não escondem a ganância

do cavalheiro edaz e dependente

daquele afago sempre incandescente

que a diva entrega, cheia de elegância.

 

A noite novamente presencia

arfagens, travessuras, rumorejos,

à luz de passageira sintonia.

 

No breve encontro, a sede dos desejos

desaparece, tendo a companhia

do amor finito, intenso e seus lampejos.

 

Jerson Brito