GARIMPO I a XII

GARIMPO I [28/06/79]

Mostrou-se hoje o de sempre para mim:

a esperança reluz, num aceno rebrilha

e no mesmo momento desfaz-se a presilha,

qual a mão estendida a colher o jasmim,

julgara bem firme nas grimpas da trilha.

A correia desliza e, no abismo sem fim,

balanço aterrado, encontrando-me assim,

como antes, suspenso de frágil varilha

de solda e lampejo, em mortal rodopio,

no arco voltaico da estranha luzança,

qual facho irreal recortando a brumança,

da névoa severa, no atroz corrupio,

em que a cada esguichar da ironia, a esperança

se mostra ilusão remoinhando no estio...

GARIMPO II [25-4-2010]

Contudo, a esperança foi fiel companheira:

por falsa que fosse, foi bem lisonjeira,

o sabor escorreu-me por meio dos dentes,

a cada mordida em tal fada traiçoeira.

Ah, Fada Esperança, quantas vezes me mentes!

A que ponto reluzes nos olhos dos crentes

e como consegues ser luz derradeira,

perante o malogro de todas as frentes?

Que delícia, que dom esta espera intocável,

capaz de conter o sarcasmo e a ironia,

que a gente procura de mãos estendidas!...

Se não fosse a esperança de vezo insondável,

que escravos seríamos em melancolia,

concreta e sensível ao longo das vidas!...

GARIMPO III (2008) (Salve, Aretino!)

Devo fazer o elogio da maldade

se, de fato, quanto é humano me pertence,

que do povo em geral não diference

esta minha pretensa humanidade.

Mas preciso colocar-me em igualdade,

por mais que a podridão em mim se adense,

se a natureza sempre humana vence,

natural mesmo em nós é a crueldade.

Se não for física, é a mente que tortura,

que se diverte com o sofrimento alheio

e que procura torná-lo ainda maior.

De modo tal, que até quem não procura,

deve aceitar esse perverso meio,

sem a si mesmo julgar sendo melhor.

GARIMPO IV (2008)

Tu me mandaste um beijo ao coração...

É um belo voto, agora corriqueiro,

mas que sempre me assusta, qual ligeiro

mordiscar que hemorragia esta emoção...

Porque tal voto sempre me dá a impressão

de um vampirismo pouco alvissareiro.

Por mais que o beijo seja lisonjeiro,

em tanta intimidade e brotação...

Mas não faz mal, pois se, de fato, um dia,

tu me beijares bem fundo ao coração,

descobrirás que, bem lá dentro, é doce.

Doçura tal, que quem beija se vicia

e quererás outros beijos, com razão,

depositar, qual teu amor de fato eu fosse...

GARIMPO V -- 16 JUL 2022

A James Cabell eu devo esta noção,

que já li há tantos anos: que o amor,

em todas suas nuanças e calor,

é tão somente o encontro fugidio

de sombra e substância, na emoção

de uma manhã de inverno ou então de estio,

de uma noite de calor ou pleno frio,

quando o olhar no olhar encontra ardor.

Mas vê-se aqui a marca do romântico

ideal — quem guarda esta lembrança,

conserva para si o que podia ter sido:

tem a sombra para sempre, nesse cântico,

mas quem adquire para si a substância,

esquece a sombra e percebe-se traído.

GARIMPO VI

Não é no corpo da mulher que se acha amor:

esse troféu é apenas biológico;

passa o momento, em verso tautológico,

pois tanta vez se lançou este clamor!...

É para o bem da raça tal calor,

que leva o homem ao matrimônio ilógico,

ao monogâmico fato sociológico,

que exige a religião, no seu impor.

Quem quer amor, só noutra alma o encontra

e como é raro que a alma sobreviva

ao encontro dos corpos, sem magia...

Que a sociedade é a verdadeira montra,

da galeria de enganos rediviva

em que cada geração insiste e cria.

GARIMPO VII

Se não se tem amor, nada se perde:

por mais que faça falta, não é dano;

nem sequer se perdeu o desengano,

se amor não foi um bem que a gente herde.

Quando amor houve, o que se quer de

possuir... é a constância do reclamo:

segurar a folha fresca desse ramo,

enquanto o par segura a folha verde...

Se amor não houve, apenas se perdeu

o usufruto carnal de uma ilusão.

Muito mais forte é o amor do coração,

esse fruto da magia que escolheu,

a nossa alma para seu abrigo,

que sempre assim será fiel contigo.

GARIMPO VIII

Macio é amor, qual poeira de esmeralda,

que se mistura nas faces para o viço;

igual que a flora, no seu brotar castiço,

amor é a chama que nos ferve a calda!

Amor é a força com que se galga a falda

do monte peregrino, até que nisso

se alcance o cume e depois, esquecediço,

não se saiba o porquê de tanta balda...

Não se saiba a razão dessa estridência

que nos levou tão longe, sem descanso,

até esse auge do arrebatamento.

Não foi amor a causa da potência:

e a conquista do amor foi só o remanso,

na calmaria que segue ao encantamento.

GARIMPO IX – 17 JUL 2022

Mostrou-se amor igual que amor se mostra,

nas tantas vezes em que amor se agita,

nessas mil vezes, em rodopio de fita,

por sobre o coração estranha crosta.

Mostrou-se amor igual amor se prostra

perante um alvo qualquer que amor incita,

em serpentina incerta, qual incerta é a dita,

amor é o carretel da linha em que se frustra;

Mostra-se amor em rimas paralelas,

um rataplã de vento, mil procelas,

amor em corda bamba equilibrista,

amor de palco, amor pelotiqueiro,

amor de saltimbanco, domingueiro,

amor sem consequência, amor de artista.

GARIMPO X

Esperança de uma luz acesa que rebrilha,

amor mostrou-se gentil em lamparina,

sem muito azeite, que a brisa já assassina

e sem muito insuflar assombra-me essa trilha,

que esperança produz a fagulha que estilha,

mas só se pode esperar o que pouco se atina,

só se pode querer o que permite essa sina

e quando enfim se alcança, a luz já não nos brilha.

Tão estranho, afinal, o declínio de um amor:

enquanto por ele se espera, cintila em seu fervor,

e os olhos nos brilham em ardor de criança...

Mas quando esse amor finalmente se alcança,

a espera termina, obtido seu calor,

que amor frutifica ao morrer de sua esperança.

GARIMPO XI

Pois o quanto se tem, de que jeito se espera?

O mais que se pode é esperar conservar

esse amor de avarento, sem mais garimpar,

nessa busca de amor que constante se altera.

A esperança é bateia que pó de ouro gera,

cintila à luz do sol, na areia a rebrilhar,

porém cada pepita que se consegue achar,

dez peneiras custou, cheias de areia mera.

É a pouco e pouco que se recolhe o grão,

cioso a se guardar em grosso saquitel,

areia de ouro puro e feita de bonança,

e não se espera só as chispas que lá estão,

mas se deseja estufar mais o farnel,

porque das coisas tidas já não há mais esperança.

GARIMPO XII

Toda esperança é no fundo almotolia,

em que se pinga o azeite devagar

e a cada vez que maior bem nos alcançar,

apaga-se mortiça a luz que produzia.

Somente quando de novo o desejo reluzia,

mesmo que apenas querosene de alumiar,

brilha algum tempo a nos acompanhar,

enquanto a ausência do amor permanecia.

Porque amor precisa ser sempre alimentado

pelas gotas de óleo do desejo,

já bruxuleia após qualquer satisfação,

pelo garimpar do anseio sustentada;

se apaga a luz em saliva a cada beijo

que nos conclua a ansiedade da paixão...