TRILHA DE SONETOS LXVI – DIÁLOGO COM A PINTURA “ABAPORU-1928”, DE TARSILA DO AMARAL
*ABAPORU*
De pés e mãos gigantes, monstruosas -
O "homem que come gente", e causa medo,
Encerra em si, o cultural segredo,
De lutas nordestinas, venturosas.
Rotinas laborais, braçais, penosas,
Sob o calor do sol, e desde cedo,
Sem alimento, luxo, e o sonho quedo,
Tristonho, por lembranças caudalosas.
No cacto, vê-se a força sertaneja,
Que brota na pobreza da aridez
Simbolizando aquele que peleja,
Com humildade e em sua pequenez,
Revigorando a terra, na certeza,
Que chegará, um dia, a sua vez!
Aila Brito
*ABAPORU*
De sol a sol, intensa e audaz labuta
enfrenta o lavrador com a aridez!
É revolvendo a terra que ele luta,
agigantando a mão pelo que fez…
E pisa, de maneira resoluta,
que os pés, habituados à nudez,
ao solo verde achegam-se, em conduta,
que lembra simbiose e solidez…
Bem sabe que há espinho e flor no cacto,
tal mescla a vida traz… o mesmo pacto…
Na lida, descobriu o bem e o hostil.
E se Rodin esculpe o pensador,
Tarsila faz pensar, com cada cor,
que Abaporu é a tela do Brasil.
Elvira Drummond
*EXPRESSÃO DE TARSILA*
O corpo pardacento na pintura
Reflete a mente humílima, minguante,
Na solidão inglória do gigante,
Sentado, ao externar a desventura...
Volvida pelo dia, a criatura
Protagoniza, em pleno sol brilhante,
A tela modernista e tão marcante,
Na história manifesta da cultura.
O panorama, em cores tropicais,
Rebrilha com nuances nacionais
Ao destacar o imenso feto nu,
Em alusão às épocas reais,
Dos belos tempos que não voltam mais,
Na artística expressão do Abaporu.
Ricardo Camacho
*ANTROPOFAGIA*
O céu azul, em fortes pinceladas,
Fazendo que na tela se distinga
A imensidão do corpo nu, sem ginga,
Que tem o "monstro" em formas alteradas.
O quadro esbanja cores variadas;
Destaca-se o bioma caatinga:
Um cacto que, sob sol dourado, vinga
Em solo, hostil, de gentes castigadas.
Perfil, de puro cunho modernista,
Que consagrou o nome dessa artista
A singular: Tarcila do Amaral.
As dimensões disformes, sem padrão,
Procuram expressar a convicção
De que a arte faz papel de canibal.
José Rodrigues Filho
*AS CORES DE UM NOVO TEMPO*
Nas cores da obra-prima atemporal
que não se curva para o daltonismo,
vejo a pintura inútil, marginal,
fechar as portas para o conformismo.
Que a vida seja um grande carnaval
no palco de qualquer antagonismo
e mostre que isso tudo é desigual
no mais aleatório modernismo.
Quem sabe o canibal de antigamente
não seja o puritano que o presente
procure impor a todos um tabu
de na antropofagia de Tarcila
teimarem, sempre em vão, descolori-la
nas telas do rebelde Abaporu?
Adilson Costa
*A ESPERANÇA*
O sol, pupila ardente grandiosa,
Com força, vela o povo brasileiro,
Que sofre, resistente, no espinheiro,
Em sua via-sacra dolorosa.
Há pouca formação no seu celeiro,
Assim se evita a mente revoltosa.
A mão, gigante força numerosa,
Trabalha, conformada, sem dinheiro.
Enormes pés, na terra, enraizados,
Sem boca, sem ouvidos, norte a sul,
Em corpos que parecem deformados.
O intuito é que se tornem desumanos.
Porém, no contemplar do céu azul,
O povo espera o fim dos desenganos!
Luciano Dídimo
*RESILIÊNCIA*
Num lindo céu azul o sol cintila
com vívidos fulgores de amarelo.
No cacto, espinho e flor engendram o elo
que lembra a vida mesmo que intranquila.
A robustez de um homem não vacila
e da aridez constrói o seu castelo;
o anseio voa, rijo, em paralelo
à frustração, na tela de Tarsila.
Os pés e mãos cansados do trabalho
de sol a sol perseguem vago sonho
e ainda assim refutam ato falho...
Persistem, desbravando a sequidão
dos solos ou de um âmago tristonho
cientes de que nada dói em vão!
Geisa Alves