FELINOS 1/12
Felinos 1 – 11 maio 2021
Revisado 9 jul 2022
Eu vejo o mundo com diferentes olhos,
Mais o percebo pelo estranho odor
Ou pelos sons que escuto sem pavor
Ou por visões dispersas sem antolhos.
É mais com a língua que sinto esses refolhos,
Luz de minha luz em meu olhar sensor;
Percebo o mundo sem provar-lhe a cor,
Mas beijo do calor nuance e molhos.
A noite é minha, dos telhados dono,
Percorro quarteirões em desafio,
Enquanto durmo quase todo o dia.
Humano, só me escutas em teu sono,
Nessas imagens que para ti eu crio,
Se me acompanhas nas noites dessa orgia.
Felinos 2
Não nos beijamos, lambemo-nos somente
Ou nos farejamos, nosso conhecimento
Vem mais do gosto que do pensamento,
Vem mais do cheiro, forte ou redolente.
Urinamos pelos cantos, em pungente
Estertor amoníaco e em um só momento
Fica o local marcado em movimento:
“Aqui eu estive e meu olor não mente!”
Não pintamos quadros, por não termos mãos,
Sem fazer versos, porque a palavra falha,
Quase nem recordamos mesmo a dor.
Menores são que os teus, peludos corações,
Gozando a liberdade que se espalha,
De apenas à nossa vida dar valor!...
Felinos 3
Como eles saltam com agilidade,
Essas bolas de pelo indiferentes!
Ao amor dos humanos, exigentes
De sua atenção, sem grande lealdade.
Domaram os humanos, desde a idade
Em que os levaram ao Egito as gentes;
Seus olhares faiscantes, oprimentes,
Almas devoram, sem qualquer maldade.
Sobem ao alto do maior armário
E se empoleiram sobre os corações,
A noite bebem e comem os lampiões,
Pequenas almas lambendo o campanário,
Ficam à espreita do vento e na lufada,
Saltam às nuvens, em sua final jornada!
Felinos 4 – 12 maio 21
Depois que eles alcançam o outro mundo,
Ficam à espreita de um novo manjar,
Como a carne impedirá o seu voar
Precisam de gosto mais leve e mais profundo.
Esse é o segredo de seu olhar jocundo,
Quando de noite o vemos rebrilhar:
É o olhar da tocaia a preparar,
É a espreita de um corpo moribundo.
Quando a alma sobe, é como uma criança
Inerme e fraca, mas cheia de esperança
De que algum anjo surja a lhe amparar
E é então que da nuvem salta o gato,
Abre os bigodes sem espalhafato,
Antecipando esse sabor que vai gozar!
Felinos 5
Por isso, não permitas em teu lar
Um desses assassinos inocentes,
Caso haja moribundo ou alguns doentes,
Que eles se aninham, prontos a espreitar.
Ao outro mundo passam, sem miar,
E lambem essas almas complacentes,
Estão fracas demais e a seus parentes
Nada podem dizer nem se explicar.
Até julgam que o gatinho é carinhoso,
Que é gentil em fazer-lhes companhia
E os saudáveis vão tratar da própria vida,
Sem saber que o sentinela é malicioso
E apenas se prepara, em zombaria,
Para o bote final na desvalida!...
Felinos 6
Há séculos demoníacos pastores
Nos acalentam e conduzem, complacentes,
Para ser de seus banquetes sortimento.
Não acompanham apenas estertores,
Pois são eles que provocam acidentes
Para levar a seus amos provimento.
E neste mundo, um aspecto gentil
Eles assumem, em tão meiga ilusão,
Que os humanos lhes abrem coração
E lhes dão o sustento em dom servil...
Igual que o gado que nos serve leite
Ou nos permite esquilar-lhes toda a lã,
Sem perceber que ao final de todo o afã,
Mastigaremos suas carnes com deleite!
Felinos 7 – 13 maio 2021
Felinos são fiéis à deusa Bashti,
Levada ao Egito essa primeira algália,
A fértil mãe de poderosa malha
Que pelo mundo inteiro se desbaste.
É até possível que de outros se engaste
A variedade dos gatos que se espalha
Pelo Oriente em outra origem, mas não falha
Que no Ocidente sua descendência baste.
Apresentavam os Egípcios a tendência
De endeusar animais, mas não só eles,
Os antigos Pelasgos igualmente
Na fecundidade criam e na potência
De certas bestas com ungidas peles,
E lhes rendiam seu culto fielmente.
Felinos 8
Não era Bashti malévola divindade,
Tão somente segura de si e orgulhosa,
O culto a receber da plebe generosa,
Tributo aceito qual devido à sua vaidade.
Mas tampouco beneficiava a humanidade,
Somente aos gatos se mostrava dadivosa,
Existem múmias de sua figura portentosa,
Que ninguém a afrontasse em impiedade!
Os Filhos de Misr eram seus escravos,
A seus descendentes dando foros de nobreza,
Ninguém colocava em dúvida esta noção.
O furto de gatos constituindo grãos agravos,
Alguns mandavam como presente, na certeza
De que outros reis lhes dariam adoração.
Felinos 9
Naturalmente, era outro o tratamento,
Os animais tratados com carinho,
Pela beleza ou temor ao olhar mesquinho,
Do humano afeto em desdenhoso portamento.
Mas sabiam exigir seu alimento
E marcavam território em seu caminho,
Por entre as pernas do humano mais vizinho
Que homenagem não lhes desse em tal momento.
E seus olhares de cunho cintilante,
Faces lembrando as de nenês humanos,
Conquistavam femininos corações,
Em cada lar a tornar-se o dominante,
Pequenos reis que não causavam danos,
Dormindo quietos sem despertarem ilusões.
Felinos 10 – 14 maio 2021
Naturalmente, muitos de mim discordam:
A influência de tais felinos pela história
É muito grande e em geral recebem glória,
Embora por nós pouco ou nada se incomodam.
Como caçarratos em geral se acordam
Durante as noites, em sua tocaia persecutória,
Melhor que ratoeiras a funcionar contra essa escória,
Somente o cheiro a afastar os que se abordam.
Contudo, os vários gatos que já tive
Muito mais atacavam passarinhos,
Subiam pelos galhos até os ninhos
Que algum rato mais esperto então se esquive,
Desencoraja o roedor pelo seu cheiro
Que não me venha a mastigar o travesseiro!...
Felinos 11
No folclore são até muito apreciados...
Quem recorda “O Tico-Tico”, a revistinha,
Com seu Pechincha de tão constate rinha,
Mais com a cozinheira que com pássaros alados?
Sei que há décadas já foram olvidados,
Eu só recordo pelo tempo em que me vinha
Regularmente a publicação da mesma linha
Dos jornais “O Malho” em biblioteca conservados. (*)
(*) Publicações de Aparicio Torelli, o Aporelly ou Barão de Itararé.
Bem mais lembrado é o pobre Gato Tom,
O Tom Cat dos desenhos animados,
Por Jerry e Espeto eternamente perseguido,
Quase sempre a ressonar em meigo som,
Enquanto os ratos o atacavam apressados
E no final era sempre o mais sofrido!...
Felinos 12
Analogia a se fazer com as crianças,
Que dos adultos enfrentavam o poder;
O Gato de Botas muitos devem conhecer,
Não das histórias francesas em lembranças,
Provavelmente bem mais das contradanças
Dos desenhos animados, sempre a vencer,
Por mais que fosse cruel em seu viver,
Pobre gigante nessas lendas mansas!...
Sempre sendo incrivelmente devorado,
Sempre os adultos em tal simbologia,
A permitir que os pequenos triunfassem!
Muitos os gatos que tive de meu lado,
Somente belos em singular magia,
Amor nutrindo pela comida que ganhassem!