TRILHA DE SONETOS LXIV – DIÁLOGO COM PINTURA “NOITE ESTRELADA-1889”, DE VAN GOGH
*TRAÇOS DE VAN GOGH*
Contemplo estrelas quando a noite anima,
O céu vigia as casas sobre a terra
Ao pé da claridade que se encerra,
Tocante ao ponto cardeal de cima...
A negridão naturalmente intima
A lua iluminar a grande Terra
Enquanto a frialdade cresce e aterra,
Pela noturna abóbada - Obra Prima!
A enorme treva iguala-se ao destino
Nas mãos felizes de um pintor divino
No tempo que brilhava a luz da espada...
E a vida, feito um jogo de cassino,
No tilintar do vírus assassino,
Ainda está no vão do "tudo" e o "nada"!
Ricardo Camacho
*NOITE ESTRELADA*
Contemplo da janela, em noite escura,
A enorme Estrela D'Alva majestosa,
Sozinha em seu fulgor, celeste rosa,
Causando em mim delírios de loucura.
Preciso ver estrelas na pintura,
Sua cintilação esperançosa,
Chamando, em sedutora e surda prosa.
Estrelas são a nossa sepultura.
Ciprestes em balanço, verdes flamas,
O céu em espirais se faz dinâmico,
Entendo que é pequena a trajetória.
Minha estrelada noite, em vão me chamas,
Pois deste meu hospício panorâmico,
Aguardo o sol nascer com sua glória!
Luciano Dídimo
*ANGÚSTIA*
Num céu azul rebrilham as estrelas,
abençoando os lares diminutos.
A noite escoa dentre os vãos minutos,
a noite escoa e não consigo tê-las.
Persigo-as enlaçado e preso pelas
loucuras e por meus pungentes lutos.
Fogem nas espirais em giros brutos,
e sem sucesso tento merecê-las.
Vejo o cipreste em vias de alcançá-las,
também da torre escuto as mansas falas
que ligam céu e terra em doce enleio.
E eu fico a prescrutar o meu inferno,
suplico à criação, ao Bem Eterno:
- Dá-me, da estrela, o brilho farto e cheio!
Geisa Alves
*SONHADOR*
Ornamentava a encosta da colina,
ciprestes, a pequena corredeira,
os bangalôs aos pés de uma clareira
que aos poucos os cobria, a neve fina.
Estrelas, misturavam-se a poeira
e a lua, amarelada e matutina,
surgia cautelosa entre a neblina
alumiando o orvalho na videira...
Acordo ao som do anúncio de chegada,
flashes de luz dos postes na calçada
e o trem parando na estação do cais.
... Foram momentos plenos e precisos
mostrando que sonhamos paraísos
perfeitos, que parecem tão reais!
Edy Soares
*NOITE ESTRELADA*
Silenciando a noite, escuto vozes…
Ouço as estrelas, tal e qual Bilac.
Algumas delas vibram com destaque,
denunciando histórias vis, atrozes.
As estrelinhas falam dos algozes,
de reações injustas e de ataque.
Compadecida, empunho um atabaque,
e cantarolo a valsa “Quebra-Nozes”.
Ao som da valsa, dança o meu cipreste
e contagia todo ser celeste.
Pequenas luzes vêm do vilarejo…
ensaiam ter o brilho das estrelas.
Desejo as estrelinhas entretê-las...
Que venham para a festa que ora vejo!
Elvira Drummond
*NA MINHA LOUCURA...*
Na agitação insone, intensos dias,
Cruzando o olhar na tela do infinito
O céu paliador do meu conflito
Salpica estrelas, muitas, mas vazias!...
Se as nuvens espirais e fulgidias
Encobrem o luar, me vejo aflito
E a mente pavorosa emite um grito,
Se contorcendo em chagas doentias.
E nesse reboliço, a noite inteira,
Revejo da janela, se estendendo,
Lá fora... a minha pele como esteira!
A imagem do cipreste, em labareda,
E o vilarejo em fogo, derretendo...
Refletem no meu ser faróis em seda!
Aila Brito
*UMA NOITE ESTRELADA*
... E mesmo que a janela fique escura
e ofusque as oliveiras e os ciprestes...
não cerrarão as pálpebras celestes
os laudos mais sombrios da loucura.
Se a humanidade cega conjetura
rasgar das ilusões as suas vestes,
estrelas ganham almas incontestes
mudando a cor cinzenta da moldura.
Tremendo as mãos, prossegue em seu ofício,
ao garimpar tesouros pelo hospício:
lembranças de existência tão inglória,
sem perceber que as tintas da magia
colorem a infinita galeria
das telas transportadas para a história.
Adilson Costa
*LENDO VAN GOGH*
Observo, na fantástica pintura ,
grandes estrelas numa noite intensa...
Existe alteração no céu, loucura?
A mão que pincelou estava tensa?
Num canto, resplandece a lua imensa,
cada detalhe mágico murmura...
Fica evidente a célebre presença
que urdiu a incomparável bordadura.
A vila está em paz, mas o elevado
estonteante traz um traço ousado,
destoa e expõe a altiva ventania.
Há um assombro erguido que enuncia
a morte tão certeira, sei que o olhar
temeu, porém teimou em expressar!
Janete Sales Dany
*ESTALO*
Somente um gênio, mestre da pintura,
Poria lua em céu estrelejado...
Se fosse, no momento, dominado
Por laivos divinais ou de loucura.
Piramidal cipreste ganha altura
E ofusca o pitoresco povoado...
O azul se torna tênue e alaranjado
E não se vê, do artista, a assinatura.
Que bálsamo teria sido usado
Para inverter, assim, o decretado,
Sujeito às críticas da ocasião?
Os grandes se definem no contraste...
Contrariando o certo, enfim, lograste
Pulsar o despertar da criação.
José Rodrigues Filho
*FERAS DOMADAS*
Resplendem na amplidão do firmamento
milhares de fagulhas, o atavio
lançado desde o manto pardacento
em cima do silente casario.
Afagam meu confuso pensamento
as cores deste ornato luzidio
e - raro instante - as feras acalento
nos braços da emoção que vivencio.
Absorto, vejo os montes, uma espada
tingida de verdor, atravessada
no meio dos sorrisos onde deito
a inspiração da noite quando a lua
aquece meus sentidos e atenua
as dores carregadas neste leito.
Jerson Brito