TRILHA DE SONETOS LXII – DIÁLOGO COM A PINTURA “A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA-1931", DE SALVADOR DALÍ.

 

MEMÓRIAS

 

Todo presente, imagem por imagem,
Recai no seu baú misterioso
Em fatos reunidos com saudoso
E eterno enleio, e vão na carruagem...

 

A mente, feito um carro de viagem,
Comanda pelo estímulo nervoso
E aflora o sentimento imperioso
No mundo inconsciente e mais selvagem...

 

No meio da floresta ou no deserto,
Sentindo o medo de um futuro incerto,
Queremos reviver a boa história...

 

O Tempo, derretido a céu aberto,
Transforma-se num lago descoberto
Nos ciclos persistentes da memória!

 

 

ECOS

 

São traços, ecos, veios do passado,

a persistir nas horas do presente,

nossa lembrança, cálida ou premente,

nosso desejo, farto ou desprezado.

 

O tempo faz-se vago e desbotado

nas horas que se mesclam no ambiente.

Os vultos da memória persistente

fazem de antanhos vívidos um fado.

 

Atemporalidade assaz real

ou simples veleidade de um mortal?

O que é o tempo em dias sem destino?

 

Os ciclos passam, levam toda a glória

e em nossa sapiência tão inglória

desmerecemos seu constante ensino!

 

Geisa Alves

 

 

ELE E O TEMPO, NA SOLIDÃO DO AMOR

 

Na solidão, o tempo expõe seus medos

E dores, no devir do insulamento;

Nas dobras da memória, o pensamento

Resguarda no ostracismo os seus segredos.

 

Agora, com os sonhos todos quedos,

Cansado, só lhe resta o sofrimento

E a mágoa a desvendar-se em julgamento

A peça principal de vis brinquedos.

 

O tempo, na engrenagem dos ponteiros,

Congela os erros crassos, traiçoeiros,

E marca as suas chagas na memória...

 

Porém, dos infortúnios nevoeiros,

Resta a lição moral dos bons ordeiros:

"No recomeço", a chance de outra história!

 

Aila Brito

 

 

CABEDAL DO CONHECIMENTO

 

Buscamos dominar o impérvio tempo

Que, inexorável, ceifa plenas vidas...

Deixando, ou não, as marcas das feridas,

Fazendo do homem mero passatempo.

 

Nem Cronos escapou do contratempo...

Vencido foi por Zeus, que, às escondidas,

Usou um simulacro nas comidas

E libertou os seus irmãos a tempo

 

De conquistar, do Olimpo, a realeza.

Ponteiros não refletem a tristeza,

Tampouco animação ou mesmo a glória...

 

Os fatos são guardados, com certeza,

No cognitivo, dom da natureza,

Arquivo sensitivo da memória.

 

José Rodrigues Filho

 

 

INSÔNIA

 

Horas insone, e a torturar-me eu vago

na languidez de um mar de nostalgia.

A noite inteira, o espaço vão e vago

se faz pintura desdenhosa e fria.

 

Aperto os olhos, finjo que me apago,

tento evitar a viagem que angustia…

Rolando tinta sobre tinta, apago

os pensamentos vãos que eu não queria…

 

Mas outros chegam populando a mente

sugando sono e sonhos, e insistente

eu me contorço aceso feito os sóis…

 

São incontáveis noites que eu a esmo

saio vagando em busca de mim mesmo

tingindo um quadro em cores de arrebóis!

 

Edy Soares

 

 

BODAS DE ERVAS

 

São tantas as memórias que persistem

Em imortalizar os sentimentos,

Que impedem derreter os bons momentos

Nos áridos desertos que resistem.

 

As horas surreais de fato existem,

Ponteiros não precisam de argumentos,

Relógios levam nossos desalentos,

Na seca nossos galhos não desistem.

 

Com todo o seu poder restaurador,

As ervas invisíveis nos consolam

E expulsam tantos males que desolam.

 

As ervas que nas bodas nos evolam

Provocam nossa paz interior

E exalam nesse aroma nosso amor!

 

Luciano Dídimo

 

 

EVASÃO TEMPORAL

 

No quadro, predomina a cor dourada,

noto que o solo está esturricado,

a solidão travou a vida alada,

sei que Dalí deixou o seu recado!

 

Vejo a paisagem curta e perturbada

só pode ser um sonho desvairado...

A realidade não está em nada,

cada relógio expõe o tempo errado.

 

Enquanto o sangue corre em cada artéria,

nós somos dependentes da matéria.

Sempre o relógio quebra, a vida acaba...

 

Mas toda breve história não desaba,

eis a verdade intensa, nua e crua,

depois da morte, a essência continua...

 

Janete Sales Dany

 

 

VITRAIS DO TEMPO…

 

O tempo segue à moda dos vitrais,

configurando imagens de pedaços.

Retalhos do passado, nada mais…

segundos viram, todos, estilhaços.

 

Momentos que jamais serão iguais,

tão simples, mas contendo tantos traços,

divagam preenchendo os ideais

que a mente, afoita, prende em seus espaços.

 

O tempo escoa em pérfida peneira,

numa atitude ingrata e traiçoeira,

mas desconhece a força da memória…

 

Não sabe que horas tristes eu derreto,

congelo apenas tempo em allegretto,

pois dona sou da minha própria história…

 

Elvira Drummond

 

 

A MARCA DE DALÍ

 

Dali tirei os versos inspirados

Vislumbro do pintor ideias puras,

Já vi variedades de pinturas,

Mas nessa vejo traços bem moldados.

 

Falésias no horizonte, e resultados

De tal degradação, com amarguras,

Que levam ao desgaste tais figuras,

Dissolvem lentamente os seus legados.

 

O tempo segue firme e nunca para

Percebo nessa imagem, joia rara...

A astúcia de um artista, e digo aqui:

 

O intrépido espanhol e salvador,

Deixou eternizado um esplendor;

A marca inconfundível de Dalí.

 

Douglas Alfonso

 

 

LUTA INGLÓRIA

 

O sôfrego apetite da voragem

persegue, incomplacente, meu pincel

e apaga a exuberância do vergel

pintado em cada efêmera passagem.

 

O pensamento, cheio de coragem,

divisa a renascença do painel,

por isso, à renitência sou fiel

e recomponho a graça da paisagem.

 

A inspiração resiste e me assedia,

entrega alento, impele a fantasia,

sustenta o passo nesta luta inglória.

 

Ao tempo, antagonista na contenda,

entrego a intrepidez que referenda

o orgulho eternizado na memória.

 

Jerson Brito

 

 

RABISCOS TEMPORAIS

 

Deveras fosse apenas um brinquedo

que sábias mãos pudessem manejar,

para mudar às vezes de lugar

e desvendar aos poucos seu segredo.

 

Quem dera retornasse tarde ou cedo

no pulso do universo singular,

em vez do seu passado naufragar

sem corte que se apele pelo medo.

 

Quisera que o relógio espatifasse

e desnudasse aos poucos sua face

oferecendo ao mundo nova chance

 

na vestimenta opaca de um futuro,

que teima em tatear num beco escuro,

a negação que o tempo sempre avance.

 

Adilson Costa