ATOS DE AMOR PASSADOS
ATOS DE AMOR PASSADOS I – 27 MAIO 22
Por que será que amor nos vem buscar
essa parte de nós que nos arranca?
Por que motivo essa ferida não se estanca,
depois que amor partiu sem mais voltar?
Teria amor encontrado outro lugar
em que melhor aclimatar a sua retranca?
E o que de nós levou somente espanca,
para às margens de seu curso o alijar?
Ou essa coisa de amor só se alimenta
enquanto é nova em nós a sensação
e satisfeito, retorna ao velho ninho,
de onde espreita e enfim noutrem se assenta,
de quem possa exacerbar a sensação,
por não se contentar só com carinho?
ATOS DE AMOR PASSADOS II
Porque, de fato, amor não nos pertence,
flutua por aí com seu carcaz,
mas são rombudas as flechas que nos traz,
porque em torno da ferida o arder se adense.
Amor é um ser traiçoeiro e não se pense
um mensageiro de alegria, mas perfaz
a inquietação que nos devora a paz,
esse ciúme que nos morde e que nos vence.
Pois sobretudo é um ser indiferente
ao coração que atinja com sua seta,
seu é o veneno que brota em cada beijo.
Nunca se prende a alguém completamente,
por mais que seu poder nos desinquieta
e não nos deixa contentar só com o desejo.
ATOS DE AMOR PASSADOS III
Sempre é mais fácil saber o que é o desejo
do que essa coisa insondável que é o amor,
suave e macio e ao mesmo tempo constritor
a nos cravar cacos de luz em cada ensejo.
Da primavera pólen a polvilhar em cada beijo,
febre do feno a provocar com seu ardor,
sempre histamínico o seu místico fulgor,
em sua tocaia a desvirtuar-nos todo o pejo.
Porque se um clímax ao desejo satisfaz,
amor não explode em paroxismo suficiente,
por mais ardente, esse prazer nunca lhe basta,
pois nos envolve, invisível como um gás,
deixando nalma um rastro permanente,
que rouba o sonho, mas que a sombra nunca afasta.