TERMO I - IV / TERMO V - VIII / TERMO IX - XII

TERMO I (12 ago 79) – Revisado a 10/3/2022

Subitamente, amor fez-se viável,

nessa promessa feita tão secreta,

qual resguardado óvulo em proveta,

ao sêmen se revela vulnerável.

Mais do que antes, no ventre da menina,

que um defeito qualquer deixara morto,

sem à fecundação dar seu conforto,

da boca a consumar brilhante sina.

E como um feto que não mais aborta,

de nosso amor o fruto do embrião,

raízes já espalhou no coração

de nós os dois: seremos dois gestantes,

nessa alegria que não mais se importa

de ser placenta para dois amantes.

TERMO II (23 jul 09) -- (Revisado a 10/3/22)

Que amor, quando é amor, é mútuo amor:

se te fecundo, em mim geras também

uma impressão que levarei além,

enquanto vivo for, de tal calor.

Amor não é passagem de um ardor

que cintila e se esvai num vaivém:

no amor não existe mal para ninguém,

amor é igual corisco de esplendor.

Por isso, ao te encontrar em meu caminho,

não decidi a busca da conquista.

De fato, foi o oposto: em ti se avista

o porto acolhedor de meu carinho

e em cada beijo teu, há novo enlace

que inteiramente a alma me perpasse.

TERMO III

Amor nasce depressa, num corisco

pois brilha intensamente esse cometa

e nem consegue a ocultação da meta:

amor quer ser amor em firme visco.

Platão falava desse estranho disco

de criaturas que rolavam, em dileta

completação de si mesmas, em secreta

abolição de sentir da ausência o risco.

Mas, por vaidade, lançaram desafio

ao Olimpo soberano, em seu orgulho:

foram desfeitas após um só assalto.

Porém Zeus, de seu trono de cobalto,

não as matou, somente, em sábio esbulho,

cortou-lhes em metades todo o brio.

TERMO IV

Talvez os deuses me falhem esta noite

e minhas palavras de prata não escorram,

talvez sulcos de amor não me percorram,

lavados de calor no mesmo açoite.

Talvez os deuses rejeitem meu afoite

e deem-me sonhos frios que logo morram,

sem motivo para os versos que me forram

a mente e o coração, em brando acoite.

Cortaram-me, quem sabe, a inspiração.

Na falta de metade, a noite fria,

não favorece a busca da canção.

Apenas lembra a luz que reluzia,

no fundo de teus olhos... Quando a via

fui percorrendo, até alcançar-te o coração.

TERMO V – Completado a 11/3/2022

Ou então amor só nasce lentamente,

escorre pelos olhos e nas faces,

penetra no teu corpo quando abraces,

até tomar-te o peito, onipresente.

Esse amor lento é muito mais potente,

invade pelos dedos, nos enlaces,

a pouco e pouco sentes que renasces,

até reconhecer, bem de repente,

que a amiga, a quem amavas com carinho,

tornou-se muito mais para tua mente

do que as demais amigas ao redor.

E amor se crava fundo, como espinho,

a um ponto tal, que ficas impotente

para arrancar de ti seu puro ardor.

TERMO VI

Se achas que este verso a ti dirijo,

pensando em ti, então é verdadeiro.

O verso é de quem lê, alvo certeiro,

invadindo o mais fundo esconderijo.

Mas se com tais palavras, eu te aflijo,

e pensas diferente: que é matreiro

este verso, que te fere derradeiro,

que sobre ti minhas mágoas eu alijo,

talvez seja verdade, inteiramente.

É aquilo que sentes, no momento,

que empresta alma e vida ao meu poema.

Pois não é meu: pertence totalmente

àquela que me lê com sentimento

e ao som de um verso triste talvez gema.

TERMO VII

Mas se assim pensas, é teu inteiramente

esse amor que por ti descrevo agora,

quer te conheça ou não, tu foste outrora

essa metade ante os deuses imprudente,

que rasgaram de mim, fiquei sem frente,

somente restam-me as costas nesta hora,

desde o momento em que te foste embora,

mais que ninguém, te conheci internamente.

Só resta agora este sangue coagulado

que me reveste o rosto de membrana,

vermelho o peito, o ventre purpurino,

em ti o meu olhar mesmerizado,

que a face me levaste nesse drama

e me roubaste até o sonho pequenino.

TERMO VIII

Contudo, se não pensas ser assim,

se o amor destes versos não for teu

e nada passe de tolice de sandeu,

leva-o adiante, qual em trampolim,

esse amor que foi teu nesse outrossim

e que no mundo louco se perdeu;

talvez te escute, preso neste breu,

preso e encerrado em escuro camarim.

Talvez sejas os olhos desse ser,

quiçá sua nuca coberta e meio cega,

guardas somente um meio coração

e neste apelo, vou dar-te a conhecer

qual seja a cola para quem se apega

e enfim encontra o par de seu pulmão.

TERMO IX – Completado a 12/3/2022

O que é certo é que o termo foi lavrado

após ser registrado o casamento,

mas veio o gládio, no golpe de um momento,

e cada parte afastou-se para um lado;

os ajustes não se encaixam no encontrado,

nunca é a metade ideal do entendimento,

por isso segue a procura, em sofrimento,

por isso enfim tanto casal foi separado.

Mas esse par ideal ainda se encontra,

envolvido nos véus do encantamento,

que a todos transformou em semiesferas;

e a meu poema recepção demonstra

e o submete a tranquilo julgamento,

na passagem interminável das esperas...

TERMO X

Só nessa busca é que amor se faz viável,

talvez esconso num país secreto,

quiçá perdido no amigo mais dileto,

sem perceberes quanto seja formidável;

que seja o sexo sucedâneo interminável,

que seja o nexo destino ainda incompleto,

nenhum reservatório está repleto

sem o final encontro imponderável.

Somente pensa que buscas por alguém

que se desgasta no buscar também:

faltam-lhe artérias no seu coração,

talvez se encontre em nova encarnação,

embora o tempo, na troça do porém,

nos intercale em diversa geração.

TERMO XI

Contudo, se as metades se completam,

maravilhoso se torna o ser inteiro,

em portentoso gesto derradeiro

e seus poderes a Zeus assim afetam;

por isso o Fado se mostra assim brejeiro

e as falsas flechas de Cupido espetam;

não é casual o jeito que te acertam:

buscam lançar-te a falso companheiro.

Há uma razão para tantos desencontros:

que o verdadeiro amor seja escondido

e as almas gêmeas não se possam ajuntar,

pois Zeus prefere os mutilados monstros,

cada um no mundo marchando malferido,

para que juntos não o possam desafiar.

TERMO XII

Assim lancei aos ares o meu brado,

metade minha, amor descompassado,

que já busquei, ansiado ou enfadado,

mas até hoje eu sei que não achei.

Onde andarás, pedaço meu cortado,

onde te encontro, espírito afastado,

parte integrante do corpo mutilado

que até hoje pelo mundo carreguei?

No oco de mim mesmo, só você

poderia se aninhar em sentimento:

reunidas as penas e as plumas, falta a ave;

mas nestas linhas o ninho se entrevê,

sem pelo ou pele no seu travestimento,

máscara falsa que ao coração entrave...