SONETO DECASSÍLABO HEROICO EM PROSOPOPEIA

*Atividade ABRASSO:*

*A SOMBRA*

Imperceptivelmente chega, muda,

A sombra à minha imagem negativa

Que me persegue sempre esconsa e viva:

Espectro que, em meus livres passos, gruda!

Oh, triste assombração! Um falso Buda

Que à minha semelhança, amarga e ativa,

Reflete a silhueta pensativa

Na forma aterradora, em face olhuda!

E, às vezes, sem querer, eu piso quando

A minha própria luz aumenta e, olhando,

Emano um sorrisinho natural.

A sombra chora e corre deslizando,

Lembrando um irmãozinho antigo e brando

Que, hoje, solapa o Bem e adere ao Mal.

Ricardo Camacho

*O SONHO DA LAGARTA*

Singela lagartinha tece um sonho…

No céu, a desfrutar de um lindo dia,

confessa para amigos: — Eu suponho

possível ter asinhas… poderia?

A lesma a reprovou no olhar medonho.

A abelha disse sim (com ironia).

O grilo expôs palpite: — Aqui proponho

saltar… pois é assim que se inicia…

O sapo deu as costas com desprezo.

O mesmo fez o inseto, bem surpreso.

Ganhou a lagartinha até careta...

Mas eis que sobrevoa o tal jardim,

alguém que lhe sussurra: — Pode sim!

Sou sua irmã, a amiga borboleta!

Elvira Drummond

*PESADELOS*

À noite, sorrateiro, o vento frio

ensaia, em notas tristes, no arvoredo,

um cântico sutil de dor e medo,

que aumenta a angústia em meu viver vazio.

A melodia, tétrico arremedo,

de negros corvos, gélido arrepio,

que faz o pensamento, em rodopio,

lançar-me ao mais profundo e vil degredo.

Apenas por um fio preso à vida,

meu corpo lasso, a mente entorpecida,

em meio aos pesadelos tão medonhos!

E, a noite inteira, escuto a voz do vento,

que faz mais fundo e amargo o meu tormento,

aniquilando todos os meus sonhos!

Fernando Belino

*AMANHECER NO JARDIM*

Enquanto o sol desponta em alvorada,

as flores interagem no jardim;

a rosa, soberana, diz assim:

_ Sempre acordo faceira e enamorada

do cravo que escolheu sua morada,

no canteiro frontal em frente a mim.

O quisto desconversa e chega ao fim

o idílio que, ao final, restou em nada.

Vendo o triste desfecho do romance,

a orquídea já se mostra solidária

e o jasmim oferece o ombro amigo.

O colibri que surge de relance,

esperto, colhe a cena visionária:

-Um beijo e o alimento, enfim comigo!

Basilina Pereira

*SAUDADE*

Sou o vazio pleno de desejo

e o tom de desconsolo no semblante.

O meu abraço cálido e sem pejo

tortura, sem clemência, o ser amante.

Sou a lembrança eterna de um ensejo

e o beijo inexistente e delirante.

Na música que fere o peito andejo

sou antes, sou depois e todo instante.

Eu sou a vastidão das despedidas

repletas de nuances doloridas,

sou a saudade, sou a flor lilás.

No coração que chora, tão tristonho,

a ausência de um amor e um lindo sonho

encontro a moradia que me apraz!

Geisa Alves

*O SAPO E A LUA*

À beira da lagoa, apaixonado,

Um sapo delirava à branca lua...

Quando, ao vê-la, assim, plena, bela e nua,

Entre as nuvens do céu, meio aluado,

Disse à diva da noite, motivado:

"Minha querida lua, que flutua

No espaço imenso e etéreo, em que cultua

O meu lago lunar, romantizado,

Quero dizer-te, lua amada, agora,

Que te amo tanto quanto a doce aurora,

Que raia sobre mim, na manhã fria"...

E a lua respondeu ao pobre sapo:

"Não serei de ninguém. E fim de papo.

Encanto, apenas, sou mera utopia!!

J. Udine

*A ROSA E O MANDARIM*

Repousa, no jardim, a bela rosa

Em traje domingueiro, especial.

Sentindo-se feliz e glamorosa,

Provocativa, aos olhos da rival!

Trazia a concorrente o verso e a prosa

Em seu alforje, o dom celestial!

Enciumada, a flor, na tez sedosa,

Rabisca um verso e canta em voz cristal:

"O cheiro que há em mim, o amor traduz"!...

- Dedica ao Mandarim a inspiração -

Com toda a sua força e a sua luz.

O pássaro contente, à Rosa, diz:

- Sagrada seja a nossa comunhão!

Ao que ela respondeu: —Serei feliz!

Aila Brito

*O RIO DOCE CHORA!*

Há muito tempo, vivo, serpenteio

estas encostas…ora estou barrento.

Já fui a fonte farta de alimento,

por intempérie fraco… às vezes cheio…

Eu, que lavei riqueza, em detrimento

barragens eu ganhei manchando o veio

e escorro triste quase morto e feio,

em meu caminho vejo o sofrimento.

Interferiram tanto no meu leito,

pondo em meu curso lamas e rejeito…

Se vidas eu tirei, não foi por mal.

Por séculos recebo os afluentes

sem que me tragam danos permanentes…

Nas mãos humanas sei que sou mortal!

Edy Soares

*TEMPO DE CHUVA*

As nuvens reunidas às escuras,

Pincelam a manhã de cor cinzenta,

Os ventos abrem alas à tormenta,

Raivosos, sem fazer quaisquer mesuras.

A chuva cai pesada e barulhenta,

Relâmpagos rabiscam as alturas,

Trovões estrondam gritos com agruras,

Responde o mar em queixa violenta.

Os morros encharcados se resvalam,

Os rios ferozmente se acaudalam,

Levando o que estiver ao seu redor.

Por fim, a natureza suaviza,

Em cores, o arco-íris profetiza:

- Por trás do mal existe um bem maior!

Luciano Dídimo

*ÚLTIMA DAMA*

Bateu-me à porta, doce e perfumada,

Olhei a sua tez mordaz, sincera

– Ah! dama que flutua sobre o nada –

Impondo as suas mãos; o fim impera.

Silente o frio invade e vocifera

– Na mente já sorvida e levedada –

"Chegou ao termo sua finita era,

Pois o viver compõe curta balada."

A valsa que, no tempo, deteriora;

Em teu compasso, fez-se meu ocaso.

Que o abraço teu me leve nesse agora!

O féretro que a dor corrói, devora.

A morte vem, e, vindo sem atraso,

Transforma em pó o humano, na última hora.

Eufrasio Filho

*LAMENTO DE UMA CRUZ*

Não me orgulho de mim. Sou assassina;

Para Jesus fui gélida tortura,

até levá-lo, enfim, `a sepultura.

Lamento, mas foi esta a minha sina!

Chorei, mas a ordenança foi Divina;

Pensei: por que o Cordeiro não murmura,

Se Ele sentiu-me tão pesada e dura?

Enfim... Cheguei ao alto da colina!

O Santo Corpo vi ensanguentado

O brado ouvi: —Eis tudo consumado!

Houve protesto: A terra estremeceu...

O sol fechou seus olhos, se escondeu;

Em dor, matei o Príncipe da Paz,

sendo eu a cruz do ímpio Barrabás!

Marlene Reis

*BUMERANGUE*

Tu que passas e atiras contra mim

Teus dejetos abjetos, excremento,

Impões a ti um duro julgamento,

Cuja pena será teu próprio fim.

Pois já sentes, à mesa, a falta, enfim,

Dos meus piscosos frutos, alimento

Dizimado de modo tão cruento:

A mesma insensatez que usou Caim.

E o vil racionamento já te assombra,

Te enlouquece, ensandece feito lombra,

Efeito atroz de minha vã revolta

Por me deixar impuro, tão exangue.

Mas sabe, a vida é feito um bumerangue:

Tudo que tu atiras, vem de volta.

Paulino Lima

*O MURO E A HERA*

Na velha construção de alvenaria,

o muro se mostrava insatisfeito

e se pôs a tratar com desrespeito

uma viçosa hera que o cobria,

até ouvir da hera a voz macia:

– Não deves me ofender, pois só te enfeito

e me fico a esconder todo defeito

que o tempo em ti produz dia pós dia.

Depois de refletir a tarde inteira,

o muro, arrependido e a chorar tanto,

dirigiu-se à intrusa companheira:

– Perdão por te ofender! E, por favor,

deixa e preserva em mim teu verde manto

pelo tempo que o possas me dispor.

Kleber Lago

*A MORTE*

Meus passos calmos nunca são sentidos,

por isso, quando chego, assusto o mundo...

Antes do fim, sussurro nos ouvidos

dos que terão o sono mais profundo.

Sou a que cala todos os gemidos,

a que elimina o fértil e o infecundo.

Sou a razão dos túmulos erguidos,

pois todo sonho empurro para o fundo...

Sou a Rainha Morte, a desmedida,

a que caminha sempre sem parar...

Sou a que faz alguém perder o par!

Mas vejam que jamais ceifei a vida.

Não há o fim — percebo sem demora —

a essência se eterniza a cada aurora!

Janete Sales

*AGONIA*

Somente tu não vês o meu penar

e passas sem me olhar, indiferente,

enquanto o vento fala a toda gente

que sofro tanto apenas por te amar.

As pedras, que tu vives a pisar,

também soluçam minha dor silente.

Quisera te esquecer, tirar da mente

sentir-me livre, livre como o mar.

Aconselhar-me tenta o sol radiante,

a me dizer: –Esquece, segue adiante,

que teu destino é ser feliz demais.

Sorri a boca desta noite escura

a desdenhar a minha mágoa, agrura,

enquanto, só, padeço mais e mais.

Edir Pina de Barros

*RATINHA ESPERTA, nº 7572, em diagonal.*

(R)atinha casa e faz a bela festa;

d(A) ratoeira fica muito além...

No(T)a que o rato urbano logo atesta

felic(I)dade, dote e amor. Amém!

Um gato ci(N)za surge numa fresta...

_Devagarin(H)o sai, ninguém detém

sua presenç(A); bicho mau detesta.

Tanto requint(E) causa até desdém.

Partem felizes; junto(S) lá na serra,

no lar tranquilo, tudo sim(P)les, basta!

Viver sem medo, boa história (E)ncerra.

Eis o segredo, sábio vê, (R)efaz:

Ratinha esperta todo mal afas(T)a!

Amor é tudo enquanto reina a p(A)z.

Sílvia Araújo Motta

*ÁRVORE*

Abrigo, sem vaidade, tantos quantos,

Vindos de lutas, buscam refrigério;

Não lhes cobro um real por serem tantos,

Eu dispenso esse sórdido critério;

Ao que sorri feliz, ao triste, ao sério,

Dou a todos os mesmos acalantos...

Abrigo verde, puro, sem mistério,

Templo das alegrias e dos prantos.

E ainda dou o fruto ao que tem fome,

Sem sequer perguntar nem mesmo o nome

Do cansado e faminto viandante.

Direis, agora, então: – vós sois um templo!

Eu vos direi que sou também – exemplo

De bondade – frondosa e verdejante!

Raymundo Salles

*EU E A SAUDADE*

- Por que tu me persegues, ó saudade?

Não vês que estou cansado desta lida,

de tanto relembrar com ansiedade

o pouco que de bom tive na vida?

- Tanta injustiça chega a ser maldade!

Tamanha ingratidão imerecida!

Não vês que em meu regaço, na verdade,

é que buscas e encontras acolhida?

-De tudo o que me ofertas, quase nada

eu posso desfrutar, como afianças,

pois sigo solitário na jornada.

Responde-me a saudade, em desvario:

- Se não fosse a migalha das lembranças,

morrerias de fome e de vazio.

Arlindo Tadeu Hagen

*MÁQUINA DE ESCREVER*

Seus dedos a teclar o meu teclado,

Cada letra batida em força aguda,

E de preto a vermelho a letra muda

Seu tom e sua cor e seu traçado.

O som de minha máquina, agitado,

Tal tropel que aos ouvidos assim gruda,

Faz a arte trabalhar com muita ajuda

Do poeta em seus versos o seu brado.

Parceira do escritor à moda antiga,

Que gosta de sentir o cheiro almaço

Do papel se escrevendo em vivo espaço.

Mecânica que nunca se desliga,

A datilografia, essa obsoleta,

Faz de mim do poeta uma caneta.

Márcio Adriano Moraes

*A FORMIGA E A CIGARRA*

Cigarra: “Companheira, não te cansas

Do teu trabalho físico incessante?

O teu celeiro já não é bastante

Para uma vida inteira de bonanças?”

Formiga: “A luta e a força são heranças

Da minha descendência a todo instante;

Trabalho é, para nós, tão importante

Que nós não ansiamos por mudanças!”

E prosseguiu no seu labor sem fim,

Ouvindo os ecos, ecos da cantiga

Da companheira em sua eterna farra...

Portanto a vida é sempre feita assim:

Do exemplo do trabalho da formiga,

Do alento da cantiga da cigarra.

Pedro Paulo Paulino

Academia Brasileira de Sonetistas ABRASSO
Enviado por Academia Brasileira de Sonetistas ABRASSO em 09/03/2022
Reeditado em 09/03/2022
Código do texto: T7468787
Classificação de conteúdo: seguro
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