QUESTÃO DE RESPEITO / QUESTÃO DE CULPA
QUESTÃO DE RESPEITO I – 8 FEV 22
Tenho a cabeça a transbordar de versos,
versos de calma ou de teor desenfreado,
por eles sou a outro orbe transportado,
na variedade de seu pendor dispersos.
Sou por eles constantemente dominado,
meus pensamentos em rimas já conversos,
meus sentimentos a latejar em sonhos tersos,
por seu poder a me saber sempre abençoado.
Já que a palavra não é só conversação,
mas o veículo da inteligente persuasão,
que nos separa de qualquer outro animal,
a colorir cada valor que nos distingue,
que nossa mente e alma em íris tinge,
até que os sonhos se apaguem no final.
QUESTÃO DE RESPEITO II
De certo auguro ser mais inspirado
por este amor que voto ao ser humano,
ao qual aceito como o ente soberano,
por cada canto da Terra já espalhado.
E sobretudo, por cada ventre consagrado,
uma criança a defender de ambiente insano;
mulher alguma de mim sofrerá dano,
mesmo que outrem cometa um tal pecado.
Que não as tomo como objeto do sexual
e muito menos dominarei qual semiescrava,
mas com um preito de veneração,
pois cada ato de amor foi consensual,
a sua aquiescência no carinho que me dava,
que recebi na mais plena gratidão.
QUESTÃO DE RESPEITO III
Então meus versos, por mais sérios que sejam,
ou que pareçam dedicados à ciência
ou do teor religioso ter consciência,
sempre em torno desse amor eterno adejam.
Pois as mulheres, por mais longe que estejam
ou que me possam encarar com mais prudência,
moças ou velhas, me merecem reverência:
em cada aperto de mão meus dedos beijam.
Embora aos homens possa igual honrar
ou eventualmente com algum me digladiar,
são elas a fértil terra da semente,
que pelos séculos prossiga a atravessar,
a raça humana levando sempre em frente,
até que o cosmos consiga dominar!...
QUESTÃO DE CULPA 1 – 9 FEV 22
Mais de uma vez já foi interrogado
porque José não procurou voltar,
a seu pai seus irmãos a denunciar
e ao mesmo tempo tê-lo consolado;
ao que parece, enquanto foi jogado
no poço seco, teve tempo de pensar
e se dar conta que os fora provocar
e a ira súbita de seus irmãos causado.
Aqueles sonhos em que se via adorado
pelo Sol, pela Lua e onze estrelas,
que tanto indignaram a seu pai Jacó
e certamente seus irmãos havia humilhado
com suas pretensões, quais pôde vê-las,
até que ali o abandonaram preso e só.
Mas sobretudo era o manto variegado
que havia conquistado de seu pai,
o keturá que sua mãe um dia vai
a trajar no casamento tão adiado,
que a Jacó tornara escravizado
por quatorze nos a Laban, o qual recai
feito um dote, que de sua bolsa não sai,
já que chegara sem dinheiro do contado.
Essa túnica que Raquel havia usado
fora vestida por Léia, inicialmente,
quando seu sogro usara de um ardil,
e só a filha mais velha havia entregado,
a qual tomara com paixão veemente,
só a conhecendo à luz do céu de anil!...
Então José, em seu vasto atrevimento,
foi visitar seus dez irmãos em Dothaím,
da túnica cobiçada a revestir-se assim,
sem perceber seu insulto e o descontento;
mas enquanto meditava, em tal momento,
bem percebera que seu gesto fôra, enfim,
causa direta de seu amargo fim,
sendo atacado com total consentimento.
Como então iria mostrar ressentimento
e apresentar-se qual um ressuscitado
ao pai Jacó, por quem fôra enviado
e que afastara qualquer pressentimento
que o impedisse de ter recomendado
que a dita túnica não usasse nesse evento!
Assim tal culpa ficara repartida:
quase o assalto de seus irmãos pedira,
que apreciassem sua chegada se iludira
ou já sabia desse mal a ser sofrido?
E o bom Jacó, que em casa ainda ficara,
a consequência não teria concebida
dessa túnica bordada ali exibida
aos Dez que a inveja havia assim ferido?
Quem sabe todos os atores suspeitassem,
por qualquer tipo de premonição,
que Jeová mesmo atuara o seu irmão,
por que, mediante ele, se salvassem?
E por mais que o velho pai ficasse aflito,
quatorze anos depois seria bendito!
E permanecia qualquer coisa a mais,
seus loucos sonhos a persegui-lo agora,
em nova luz, bem diversa da de outrora:
e se, de fato, se tornassem bem reais?
Quem sabe fossem profecias divinais
de alguma coisa em sua futura hora?
Em vão sua mente tal ideia explora,
algum delírio parecendo por demais!
Mas lá no fundo da mente, continuava
e se soubesse de antemão o seu destino?
Se de fato suas visões, quando menino,
do homem futuro algumas coisas revelava?
Porém em nada as poderia controlar
e assim José deu preferência a se calar!
Podia decerto ter a verdade revelado:
quem ele era a seus amos, os Ismaelitas;
saberia usar de expressões as mais bonitas,
por vinte siclos tinha então sido comprado,
mas se fosse ao acampamento transportado,
para a Jacó trazer novas benditas,
ao recebê-lo em suas mãos aflitas,
por grande soma teria sido resgatado!
Certamente se perturbaria a Irmandade,
mas combinaria com os seus senhores
que o haviam encontrado ferido no deserto!
Sua incontestável posição de autoridade
firmemente dominaria seus traidores,
ao contemplá-los com seu olhar aberto!
De tal modo, sua visão se cumpriria:
não poderiam contestar que fosse o herdeiro
de Jacó, sobre os Onze sobranceiro,
diante do pai, quem não se curvaria?
Só sua presença de tudo os lembraria,
sem mencionar sequer seu cativeiro
e assim presos por pecado tão certeiro
quem a bênção de Abraão contestaria?
Porém depois, haveria a possibilidade,
após a morte de seu pai, que algum deles,
ou todos juntos, pretendessem se cobrar.
A bênção ganha a orná-lo da dignidade,
mas se a despeito, uma vingança reles
lhes desse impulso para o assassinar?
Finalmente, pôs de largo esse projeto,
sentindo firme, no fundo de sua mente,
que o resultado se tornaria diferente,
mais o temor que a potência de um afeto:
falso seria e o seu rancor mais abjeto;
ante o imponderável decidiu-se firmemente
e transportado se deixou por essa gente,
até o Egito, por caminho torto ou reto.
Ou de algum modo, talvez Deus lhe revelasse
que por desvãos ao velho pai encontraria
e do presente sofrer no porvir resgataria,
se ao fado plenamente se entregasse,
às mãos zelosas do Deus antigo de Abraão
e decidisse por entregar-lhe o coração!...