SEGUE COMIGO / SONHA COMIGO / PRÊMIO E CASTIGO
SEGUE COMIGO I – 16 JAN 22
Essa que foste para amantes do passado
não é mais a mulher que beijo agora;
foi-se a menina, agora és minha senhora,
no coração ainda te aceito apaixonado.
Nem sei se então te houvera conquistado,
amaste a outros nesse teu outrora
e quem me diz se nessa arcana hora
não terias, impaciente, me expulsado?
Meu tempo antigo do teu foi deslocado,
como saber se então a ti teria beijado?
Talvez sequer tivera audácia suficiente.
Só o que lastimo é teres assim desperdiçado
nos olhos de outros tua beleza complacente,
que não souberam conservar teu corpo amado.
SEGUE COMIGO II
Essa que foste depois que te beijei
não é mais essa mulher entre meus brços;
levou-te a vida a maciez dos traços
que me mostraste quando então me apaixonei.
Contudo, por vez e outra eu já te confessei
que não foi a mobidez dos olhos baços,
nem o teu corpo a envover-me em laços:
foi por tua mente que de fato me engracei.
Foi tua inteligência e foi a sensibilidade
que em nenhuma outra jamais encontrarei:
amei-te a alma e tua criatividade.
Essas são minhas desde o teu passado,
mesmo do tempo em que nunca te encontrei
e assim me exponho até hoje enamorado.
SEGUE COMIGO III
Nada de ti perdi que hoje possa lamentar,
os que te amaram só tiveram a substância,
somente a carne em primordial instância,
sem a tua mente de fato conquistar.
Não que a domine, depois de tanto amar,
pois és independente em tua inconstância;
correndo o risco de uma certa redundância,
foi teu espírito minha inteira liminar.
E aqui me encontro com a mulher de agora
e tu estás com o homem que hoje sou,
“Já não somos os mesmos, os de ontem,”
como Neruda denunciou-nos lá no outrora, (*)
mas a teu lado certamente ainda estou,
sem que os percalços jamais me desapontem.
(*) Pablo Neruda, poeta chileno, 1904-1973.
SONHA COMIGO I – 17 JAN 22
Se não chegaste a ser minha no princípio,
ainda espero sejas minha até o fim,
que cada dia te acompanho assim,
tal qual se cada fosse o seu início.
Que a cada dia escute o teu bulício,
que teu espírito seja ao meu afim,
que te percebas ainda mais ligada a mim,
que teu amor por mim se torne em vício,
do qual nunca consigas te livrar
e nem procures, por piores que te sejam
certos dias nublados e tristonhos.
Mas que ao contrário, os queiras conservar
e em tua memória nitidamente estejam,
como um acréscimo à mortalha de teus sonhos.
SONHA COMIGO II
Os sonhos nunca morrem, só adormecem,
pois nem sequer pertencem ao passado,
só no porvir cada qual localizado,
pois teu presente por breve tempo aquecem,
mas tão rapidamente os dias descem
para o passado, em véu acumulado!
Podes até lembrar do teu sonhado,
em tais presentes que a cada instante cessem,
porém tais sonhos não se acham no presente,
não tem lugar nesse tempo tão escasso,
passa o mundo sem te deixar sequer um traço.
Nem no antanho se encontra o sonho ausente,
porque um sonho é algo que se espera,
numa redoma de luminosa esfera.
SONHA COMIGO III
Contudo os sonhos só se lançam no futuro
e cada escolha os busca realizar,
mas em qual dos filamentos do esperar
se encontra o sonho, por mais que seja puro?
O sonho dorme no presente que descuro,
no qual não sobra sequer o cochilar;
se no passado se pôde realizar,
não é mais sonho, concretizou-se duro!
Ai, sonhos teus, em que lugar da mente
os podes encontrar, senão dormindo?
Cada sonho realizado já está findo...
Em cada sonho teu futuro é diferente
e de que serve escolher caminho certo,
se cada sonho perece ao ser desperto?
PRÊMIO E CASTIGO I – 18 JAN 2022
Plutarco nos relata um episódio,
hoje pouco recordado, mas que indica
o que o valor para Esparta significa,
quando um cidadão, movido pelo ódio,
saiu nu de sua casa, com óleo ródio (*)
esfregado em todo o corpo, para a liça,
quando os Tebanos a sua cidade rica
invadiram e pelo qual alçou-se ao pódio.
(*) Azeite produzido na Ilha de Rhodes.
Este Espartano, cujo nome era Isidas,
filho de Febidas, lanou-se ao combate,
atravessando as linhas e no meio
dos Tebanos, deles tirou vinte ou mais vidas,
sem sequer ser ferido neste embate,
os inimigos a afugentar em seu receio.
PRÊMIO E CASTIGO II
Segundo dizem, extremamente alto
e com o corpo robusto e musculoso;
a nudez ungida talvez o deixasse pavoroso,
qual viva estátua feita de basalto;
mas de prudência totalmente falto,
não tomou armadura ou escudo grosso:
só com lança e espada o animoso moço
aos Tebanos enfrentou em tal ressalto.
Libertada a cidade, Isidas foi então
pelos éforos (ou senadores) elogiado,
com uma guirlanda de louros coroado
e aplaudido por toda a grata multidão,
mas a seguir em mil dracmas multado
por não usar a devida proteção!
PRÊMIO E CASTIGO III
Os Espartanos honra davam ao valor,
mas desprezavam atos de imprudência:
um guerreiro de tão grande valência
era um bem da cidade em seu pendor;
muito mais que ao inimigo, em destemor,
causar tantas baixas, em viril potência,
tinha o dever de proteger a própria essência,
para outra vez provocar-lhes o temor!
Não mais que isso nos registrou Plutarco (*)
e nem se sabe se de novo combateu
ou em senectude sobre o leito seu morreu...
Mas esta história nos serve de bom marco:
bem menos que causar danos ao inimigo,
devia o soldado proteger-se do perigo!
(*) Historiador grego, 46-120 d.C.