DIVERSIDADE &+
DIVERSIDADE I – 1º JAN 2022
A tua noção do tempo é individual,
do mesmo modo que tuas recordações;
não existem dois a nutrir iguais noções,
nossa lembrança de um fato é desigual;
eu me recordo do tempo imemorial
em que reuníamos nossos corações
e a carne inteira em amplas ilusões,
mas minha lembrança não é material.
Lembro a lembrança que ontem recordei
e esta já era uma lembrança recordada
de outra semana em que foste invocada
com tal firmeza que a memória então gravei,
mas mesmo esta já era a imagem de outro dia
e não daquele que entre meus braços te acolhia.
DIVERSIDADE II
Do mesmo modo, recordas diferente
o prévio dia em que nosso amor brotou;
tua memória a lembrança te invocou
do que teus olhos encontraram pela frente
e de igual modo, se lembraste bem frequente,
a cada dia algo dali se transformou:
lembraste o dia em que a lembrança retornou
e não o dia em que a lembrança fez-se assente.
A única coisa que lembramos por inteiro,
sem que seja claramente anuançada
é a memória que já esquecida fôra,
pois só te lembras do momento derradeiro,
quando a lembrança foi dele abandonada
e de repente te explode em luz agora.
DIVERSIDADE III
Assim te lembras do que lembras tão frequente,
mas não é o dia que mais querias recordar;
cada nova lembrança faz a antiga desvairar,
não é mais a recordação do antigamente,
pois se dela te recordas, é em tua mente,
só ali a lembrança se pode relembrar,
já colorida por tanta vez do teu lembrar
e não é mais a minha lembrança certamente.
Assim o tempo que recordo é apenas meu,
por tantas vezes em que já o elaborei,
porque jamais consigo te esquecer;
mas se olvidaste o quanto um dia fui teu,
bem lá no fundo de tua mente encontrarei
só o que de mim guardaste sem querer.
MOSCALIDADE I – 2 JAN 2022
Olho Mau, eu te arrenego,
Vai-te para Belzebu,
Por ti Pedro Labatut
Caiu duro como um prego! (*)
(Esta quadrinha do século XIX afirma que Vidigal,
o chefe da polícia do Rio de Janeiro, teria ordenado
a morte do Marechal Pedro Labatut, herói da nossa
Guerra da Independência, no nordeste brasileiro.)
Em um lugar da Jordânia havia antigamente
o santuário de Ekron, em que buscavam
um oráculo tantos quantos ali confiavam
o seu destino de forma impertinente;
entre os Hebreus se dizia comumente
ser um demônio que nos santuários adoravam
os que a saber do destino ali andavam,
contra o Mandamento de Jeová integralmente!
O deus de Ekron “Baal-Zevuv” era chamado,
ou “Deus da Mosca” e muitos afirmavam
que um meteoro havia caído ali
e tal pedaço do céu era adorado
como o deus poderoso que invocavam,
que a previsão do porvir chamava a si.
MOSCALIDADE II
Mas por que de Deus das Moscas o chamavam,
ou Baal-Zevuv? Havia então quem afirmasse
que velhos esporos de moscas carregasse,
dos quais as moscas do passado resultavam;
é improvável que ovos de mosca assim enfrentavam
a atmosfera pela qual se atravessasse,
que um meteoro quase total se desagregasse,
pois as camadas do ar os requeimavam!
Podemos achar uma outra explicação:
sacrifícios eram frequentemente realizados
e mesmo humanos ali eram degolados
e o sangue atraía vasta multidão
desses insetos, a quem os sacerdotes
fielmente adoravam quais mascotes!
MOSCALIDADE III
É bastante conhecido que animais
pelos antigos tenham sido ali adorados;
crocodilos foram até mumificados
em templo egipcio de colunatas triunfais.
Até hoje na Índia são bastante naturais
os macacos que a Hanuman são consagrados
e noutro templo, ratos são alimentados;
que moscas protegessem nem se estranha mais!
Mas o fato é que o nome “Belzebu”
ao ser maligno é aplicado com frequência:
surgiu então e até hoje é mencionado!
Não que as moscas só procurem sangue cru,
mas certamente nos provam a paciência,
quando em nossos próprios rostos têm pousado!
PERMEABILIDADE I – 3 JAN 2022
A cada dia, um pouco falecemos,
nossa própria respiração nos envelhece;
nosso presente não tem piedade e desce
verso ao antanho, que inteiro já perdemos;
por mais que contra tal nos revoltemos,
não existe nas igrejas qualquer prece
que o passado nos retornar pudesse:
sob esse peso é necessário nos curvemos!
Não saberei se de nascença existirá
um certo número de dias garantido:
que “ninguém morre antes” é o ditado;
mas cada dia que nos chega passará,
sem que possa jamais ser repetido,
nesse monturo do antanho acumulado!
PERMEABILIDADE II
Mas certa coisa para mim não envelhece:
é este amor que sinto ainda por ti,
que foi o mesmo amor que então senti,
que não desgasta e que até mesmo cresce!
Amor é essa armadilha que nos desce
e que através da história sempre vi;
em cada ponto do passado o vejo ali:
nos corações quão abundante coalesce!
Então eu busco, ao tomar minhas decisões,
retomar esse fio condutor mais uma vez,
pondo de lado as escolhas secundárias,
tudo o mais descartando, as ambições,
outras conquistas perdidas mês a mês,
que a tal amor pudessem ser contrárias...
PERMEABILIDADE III
Assim consigo manter o amor vigente,
mesmo perdido o amor do meu passado;
diverso o amor em meu presente revelado,
mas por ti é igual amor inteiramente;
lá no antanho o velho amor é complacente,
em suas camadas e estratos conservado;
só lembro o amor ali acumulado,
longa lembrança que o atual amor pressente...
Mas como saberei se o amor futuro,
a que escolho diariamente com prazer
é o mesmo amor ancestral que já senti?
Só na intenção é que seja sempre puro,
que qualquer seja o novo amor a reviver,
tal permaneça qual o consagrado a ti!...