TRILHA XL- GONÇALVES DIAS
*** *PENSAS TU* ***
Pensas tu, bela Anarda, que os poetas
Vivem d’ar, de perfumes, d’ambrosia
Que vagando por mares d’harmonia
São melhores que as próprias borboletas?
Não creias que eles sejam tão patetas.
Isso é bom, muito bom mas em poesia,
São contos com que a velha o sono cria
No menino que engorda a comer petas!
Talvez mesmo que algum desses brejeiros
Te diga que assim é, que os dessa gente
Não são lá dos heróis mais verdadeiros.
Eu que sou pecador, — que indiferente
Não me julgo ao que toca aos meus parceiros,
Julgo um beijo sem fim cousa excelente.
Gonçalves Dias
*SUPOSIÇÃO*
Pensavas tu, formosa e doce Graça,
Que os Vates são isentos de ansiedade,
Vivendo como vivem na vaidade
Boêmios que, na noite, erguem a taça?
Comemorando a morte, em plena praça,
Um tema recorrente por herdade?
De muitos o desejo, na verdade,
Consiste em escapar de tal desgraça.
Por certo, algum insosso, despeitado,
Dirá que ser um Bardo não tem glória
Ou que de herói devesse ser chamado.
A angústia, no heroísmo da vitória,
Decresce quando um beijo, bem-roubado,
Revela sua verve e trajetória.
José Rodrigues Filho
*CONTATO*
Que pensas, ó leitor? O que te afeta,
Enquanto sentes toda a poesia,
No instante que se esvai a luz do dia,
Nos sensitivos versos de um poeta?
Será, leitor, que a cicatriz secreta
Pressente o tom de lírica atonia,
Matando a paz que há pouco em ti sorria,
Rompendo à noite a voz que se projeta?
À madrugada, em voo condoreiro
Dos sonhos infinitos e envolventes,
Recais no afago de um desejo inteiro...
O sol renasce e os raios mais crescentes
Procuram o poeta cancioneiro
Na sagração das almas padecentes!
Ricardo Camacho
*DIAS DE POETA*
Tu pensas, meu amigo, que o poeta
vive a sonhar, imerso na loucura
e que, no verso, enganos emoldura
com sua intrepidez irrequieta?
Ou pensas ser verdade justa e reta
o devaneio e o gosto da aventura,
presentes na alma límpida, tão pura,
fazendo desse bardo um bom profeta?
Pois eu te digo, amigo, o vate alcança
dias de glória, dias de agonia,
horas de dores, horas de bonança.
E nisso mesmo vive a poesia,
seus versos sempre exaltam a esperança
e a sua verve encantos prenuncia!
Geisa Alves
*O INVENTOR DE EMOÇÕES*
Vestir o pensamento de um poeta?
É simplesmente doce fantasia…
Um traje sem medidas — eu diria —
pois tal tecido nunca se completa.
O bardo borda os versos — um esteta!
Buscando a mais perfeita sintonia,
costura palavrinhas, que o desvia
de alguma vil tristeza que lhe afeta.
Então, pergunto aqui: quem me garante
que o doce canto desse menestrel
não passa da invenção de um mero instante?
Poeta inventa tanto, que é fiel
somente ao construir, sendo elegante,
a sua própria torre de Babel!
Elvira Drummond
*EIS A VERDADE!*
Cogitas, caro amigo, que o poeta
Expressa a dor alheia, e traz na mente
Lunática quimera e simplesmente
É tresloucado ser, também pateta?
Não creias! Traz a pena de um esteta -
a tradução do amor, febril, luzente,
Que tem por sua musa, ardentemente;
E exalta em cada verso a sua meta,
Que um dia, possa enfim, viver feliz!
E digo mais, amigo (na humildade)
O bardo tem no amor, vigor motriz,
E em sua inspiração a alacridade
De transformar a dor de um infeliz
Em pura poesia - eis a verdade!
Aila Brito
*VERVE POÉTICA*
O vate fabula, altera o sentido?
Será que reprime e nega a rotina?
Presumo que busca o sol que ilumina
e a força que eleva um anjo caído...
Eu sei que jamais será reprimido,
pois sonha acordado — a verve o domina.
Pressente no peito a chama divina,
a fonte do amor que atrai o cupido.
Ó, Deus, o poeta implora, murmura...
num verso de dor, procura a alegria
que tinha em outrora, aquela ternura!
No pingo da chuva enxerga poesia
e, assim, o lirismo o envolve e perdura...
Imerso em paixão, jamais silencia!
Janete Sales Dany
*NÃO SABES, MEU AMOR.*
Poeta, por não ser a flor cheirosa
Das matas que recobrem os recantos,
Disfarça, com seus versos, os seus prantos,
Na trama corajosa e escandalosa.
É cínico na charge indecorosa
E tem nas rimas todos seus espantos,
Sorrisos costurados com encantos,
Razões de ter razão tão espantosa.
Quiseste acreditar, doce Maria,
Que sou assim também, um inconstante
Ao te compor poemas e heresia?
Não sabes, meu amor, que a todo instante
Eu tento colocar minha agonia
Nas frases que me fazem ser distante...
Plácido Amaral
*O POETA*
Engana-se quem pensa que o poeta
Habita entre doçuras e perfume,
Nadando na harmonia de um cardume
Com sua inspiração sempre completa.
Falsa ideia que o mundo lhe projeta:
Heroi feito alpinista em alto cume.
De fato a sua luz de vagalume
É fraca para mente tão inquieta.
Não é sempre que o verso voa leve
Como fazem as belas borboletas.
Muitas vezes a dor é quem escreve.
Porém qualquer soneto sem vinhetas
Concede uma alegria, embora breve,
Um tiro inofensivo de espoletas!
Luciano Dídimo
*MEU SUSTENTO*
Divago noite afora no infinito
traçado pelo verso e se desnuda
um peito enclausurado em dor aguda,
escravo incorrigível de um conflito.
Do sonho acalentado necessito
perante a escuridade carrancuda,
embora o resplendor intenso iluda
os lânguidos olhares de um aflito.
A intrepidez dos loucos, meu sustento
nas sendas deslumbrantes que atravesso,
conforta o lacerado sentimento.
Pareço até feliz porque confesso
apenas devaneios quando tento
imaginar, querida, teu regresso.
Jerson Brito
*A DANÇA DO AMOR*
Lacero o coração em mil pedaços
Ao recordar o amor que tive outrora,
A eterna cicatriz por vezes chora,
Sangrando com terríveis descompassos.
Extravasando a dor e estardalhaços,
Que meu sofrer me traz, restou-me agora!
Com tal transbordo pôr, então pra fora,
As máculas ruins, tristonhos traços.
Porém, a dor às vezes traz bonança
De forma singular, até completa,
Pois quem escreve tem perseverança
De transformar o mal em outra meta,
Ninguém traduz o amor e sua dança
Da forma que descreve um bom poeta.
Douglas Alfonso