TRILHA XXXVIII- AUGUSTO DOS ANJOS

***VANDALISMO***

Meu coração tem catedrais imensas,

Templos de priscas e longínquas datas,

Onde um nume de amor, em serenatas,

Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas

Vertem lustrais irradiações intensas

Cintilações de lâmpadas suspensas

E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais

Entrei um dia nessas catedrais

E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,

No desespero dos iconoclastas

Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

Augusto dos Anjos

VERSOS DOS ANJOS

Arde o poeta em confissões extensas,

Augustianas expressões pacatas

E dolorosas sensações inatas

Pelo atavismo de catarses densas!

O coração, na solidão das matas,

Brada, sentido, por batidas tensas,

Em perdição, sofreguidões imensas,

De um labirinto de passadas datas!

Chora o poeta nos plangentes cais,

Sob as estrelas, noturnais cristais,

Na depressão de um secular tristonho...

E contemplando da prisão carnal

A própria vida, em maldição fatal,

Viu falecer o derradeiro sonho!

Ricardo Camacho

CORAÇÃO SENTENCIADO

Meu coração, num ato voluntário,

deliberou calar a sua voz,

por entender, no amor, intento atroz

ao se mostrar à beira do calvário!

E como um vento frio e bem veloz,

soprando rufos de um sofrer diário,

Fizesse-o tolo e reles solitário,

tolhendo o amor, da fonte até a foz!...

Atormentado em sua solidão,

Trancou-se para o mundo da paixão,

Sentenciado, amargo e tão tristonho...

E a dor marcou profundo, a ferro e fogo,

Fazendo-o perdedor do próprio jogo,

Ao ver cair por terra o belo sonho!

Aila Brito

MEU SONHO

Sonhei um sonho nas longínquas eras

e acalentei um ideal antigo.

Meu coração, em dores, fez-se abrigo

dos meus desejos, cálidas quimeras.

Mas foi o tempo um célere castigo,

levou-me os dias, breves primaveras,

e enquanto verto lágrimas sinceras,

escapam-me as certezas que bendigo!

Tardio sonho faz-se natimorto,

minh’alma não alcança mais conforto,

vejo ruir a minha fantasia!

E nos escombros jaz o meu anseio,

e agora, entristecida, clamo e creio:

no sonho estava a vida que eu queria!

Geisa Alves

O SOFRENTE

É triste quem possui no coração

A dor que pulsa lágrimas escuras

E o peso de viver em amarguras,

Da pedra que carrega, sem razão.

E deixa, nele, as marcas das fissuras

Da triste dor causada pelo "não".

O "sim", às vezes, pode ser facão

Que corta tantos sonhos em agruras.

As dores sempre teimam em doer

Naquele que mergulha no sofrer

E empurra, com mais força, a sua lança

No corpo, de lamentos, encharcado,

Até sangrar o peito golpeado,

Cortando o próprio fio da esperança!

Luciano Dídimo

SÓCIO EM SOFRIMENTO?

Meu coração merece uma lição,

Algum ensinamento de brigada

Que faça melhorar seu quase nada

De ser castelo fútil da ilusão.

Seu músculo, refém de uma emoção,

Jamais permitirá qualquer cruzada

Que tente exterminar, numa flechada,

A teimosia inútil da paixão.

Serei, eu mesmo, o bardo a perfurar,

Com verso, a insensatez do seu pulsar,

Determinando enfim seu sacrifício?

Ou virarei um cúmplice fiel,

Um simples riscador de algum papel,

Seu sócio em sofrimento vitalício?

Plácido Amaral

POETA NÃO ENVELHECE!

Refuto o espelho, rude e mentiroso,

querendo impor-me rugas de velhice

não sei se por inveja ou parvalhice,

mas acho o espelho, às vezes, tão maldoso!

Hoje pela manhã, sem que pedisse,

ele mostrou-me a face de um idoso

e ao lhe dizer que eu era mais formoso,

franziu-lhe o triste cenho e nada disse...

... Bem sei que é teimosia de um poeta

pensar que a vida escapa e não afeta

as emoções que o coração rechaça.

Por mais que a mente minta e esconda os fatos,

meus pés, inchados, sobram nos sapatos

e, impreterivelmente, o tempo passa!

Edy Soares

VASO QUEBRADO

Deixei cair, mas sem querer – é claro!

O que farei, então? Nem acredito...

Eu derrubei o vaso mais bonito

E agora, olhando os tantos cacos, paro.

Estou com muito medo... estou aflito!

Era algo valioso, artigo caro;

Não posso mais sequer fazer reparo...

Desesperado, aqui, sozinho, grito.

E tomo um choque de realidade

Ao me despir da nítida vaidade

E planejar as próximas ações...

Levanto e saio em vagarosos passos,

Deixando para trás os estilhaços

Das minhas velhas, doces ilusões...

Gilliard Santos

CORAÇÃO IMPULSIVO

Meu coração, alegre e tão faminto,

vive florindo e não é primavera...

É fonte aconchegante que acelera,

ao avistar o amor no labirinto.

Meu coração, às vezes, exagera

e aos anjos vai... suplica, quase extinto...

Ele oferece a dor que sempre sinto,

ao me jogar nos braços da quimera.

Transforma o meu viver num mar violento,

provoca temporal no pensamento,

muda, sem dó, os versos que componho...

Meu coração, florido e tão ferido,

é dominante, nunca foi vencido...

Ama demais e, assim, destrói o sonho!

Janete Sales Dany

SONHOS PUROS

Sonhei... Sonhei... E digo: foi preciso!

Nos sonhos, viajei (recordo agora!);

Em minha tenra idade, vi a aurora

E o lindo rosicler do "Paraíso".

Porém, o banzo veio sem demora,

O tempo transformou o meu sorriso.

Aquele sonhador morreu... aviso!

Cresci e, neste mundo, nada aflora.

Restaram, para mim, os amargores

De quem jamais viveu em esplendores,

Somente em tempos idos, tão medonhos.

Momentos lá dos tempos de criança...

Agora, só fagulhas na lembrança

E muito menos desses puros sonhos.

Douglas Alfonso

A MINA

Atormentado pela ventania,

o viajante ainda cambaleia,

lamenta bolhas, fende hostil areia

no itinerário, quando a dor se amplia.

Sua esperança teima, sempre alheia

ao iminente abraço da agonia,

encorajada, tendo a companhia

do imaginário que o delírio ateia.

Semblante lasso, ao encontrar a mina,

percebe a inútil vida peregrina

dona dos passos, numa vã cegueira.

Aquela cena vista no deserto

é meu retrato: não estava certo

supondo a sede, nunca verdadeira.

Jerson Brito

SONHO MACULADO…

Quem ousa enxovalhar, de modo vil,

o tom terno e azulado deste sonho?

Secou-me a fonte, em gesto tão medonho,

que fez a água enturvar, em meu cantil.

Qual fera a me acuar (Onde me ponho?…),

parece ter surgido de um covil!

Se visto a face doce, em tom hostil,

disfarço — sei que sou um ser bisonho…

Passando, assim, de sonho a pesadelo —

sendo desperta, continuo a vê-lo?

Que medo de acordar com tudo escuro…

Melhor a cor real? Quem me afiança?

Vivendo o pesadelo, há esperança

De ver de novo o azul, transpondo o muro…

Elvira Drummond

ICONOCLASTIA

Depois de vislumbrar o suntuoso

Espaço, ricamente ornamentado,

E o luxo para ter escravizado

O crédulo mortal da fé cioso.

Supus que Deus tivesse manobrado

A humanidade, pois criterioso,

Criou-se a si, com dom misterioso

A fim de, pelo padre, ser guiado.

Em fúria, tive um surto iconoclasta,

Pensando em tudo aquilo dar um basta

Quebrei altares, nichos e molduras.

Do crime sou culpado, injustamente,

Pois meu escopo foi deixar patente

Quão falsas são as rotas escrituras.

José Rodrigues Filho