DEVANEIOS EM LILÁS

DEVANEIOS EM LILÁS I – 9 JUN 21

Algum emprego deve ter a vida,

além de ser passagem para a morte;

se todo rumo foi chamado norte,

então é o sul a fonte dessa lida;

talvez no leste então se ache guarida,

de onde brota a luz do sol e a sorte,

conduz o dia estuante no seu porte,

até no oeste acenar em despedida.

Assim, qual nasce o Sol e vai ao ocaso,

do leste a oeste, em diário comprimento,

ficando o norte em seu branco burel,

também a nossa vida, por acaso,

do sul ao norte terá seu cumprimento

e só no norte achará final quartel!

DEVANEIOS EM LILÁS II

A vida é cheia de disenterias:

o que mais se deseja, marcha ao som

de outro tempo. O ritmo do tom

indiferente a nossas nostalgias;

a vida é cheia de muitas disforias:

a cada vez que nos surge um sonho bom,

depressa se desfaz, como o batom

de um casual beijo desfeito em entropias;

a vida é assim: por mais que se trabalha,

nenhum caminho se abre à nossa frente,

salvo essas sendas que nunca procuramos;

é como ferro frio que a gente malha,

quanto se ama, só nos passa rente

e nunca está onde nós nos encontramos.

DEVANEIOS EM LILÁS III

Queria encontrar alguém que sinta, pense e chore

do mesmo modo que eu. Que só goste do que gosto,

minha almofada contra o mundo, meu encosto,

que se dispa junto a mim e em seu amor não core;

preciso achar alguém que não peça e nem implore,

porém que só me olhe e eu veja no seu rosto

tudo quanto ela precisa, na alegria e no desgosto,

que seja amor-carinho, não amor que me devore;

mas essa que preciso até hoje não achei,

que fale a mesma língua, que pense o que pensei,

que num aperto de mão me chama para o abraço,

mas sobretudo que seja a idônea companheira,

em que possa confiar, que partilhe meu espaço

e no fim de meus dias, fechar-me os olhos queira!