Dois Sonetos Alheatórios
Se o tempo atroz em minha carne maldita
não extinguir minha adamantina chama,
hei de arder como uma vela infinita
e incendiar a luz que o amor conclama.
Jamais renegarei este calor
que aquece até o cadáver mais gelado,
em mim cuido que não seja apagado
este pavio que nutre o meu furor.
Só quero que, no fim da longa estrada,
liberte-se meu fogo interior
e eu possa ser chama imortalizada,
e assim viver com êxtase e clamor,
ardendo em mim de forma apaixonada,
queimando os fracos sem fogo e amor.
Andando pelas ruas vejo seres
errantes vagueando sem caminho,
como uma ave que se evadiu do ninho
e erra sem parentes e prazeres.
O estranhamento mora em seus olhares,
parece que em si mesmos acalantam
as vozes tristes das coisas que cantam
a morte vã de todos os lugares.
Erram de um para outro lado,
as avenidas correm no seu sangue,
são como destemida e cruel gangue,
corsários do asfalto, abutres em estado
de errância passageira e peregrina,
sem descanso, sem lei e estalagem,
sabendo que a viagem não termina,
porque é neles que começa a Viagem.
(Vagner Rossi)