MANHÃ ÓRFÃ
MANHÃ ÓRFÃ I – 20 maio 2021
O dia se acordou acinzentado,
sem vontade de querer se levantar;
o Sol por entre as nuvens, resfriado,
espirrava suas geadas, sem cessar.
Um bocejo surgiu, como trovoada,
breve sorriso se pôs a coriscar;
o sol abriu a bica da canhada
para o amarelo dos dentes escovar...
mas mesmo assim, voltou ao travesseiro,
acamado sobre o pico da coxilha,
jatos dourados no urinol do ribeirão
e o dia ficou cinza, qual braseiro,
a lenha velha o atiçador estilha,
da madrugada toda preta de carvão.
MANHÃ ÓRFÃ II
Igual que o Sol, hoje acordei cansado
pelos pequenos aborrecimentos,
o repetir infindável de momentos
e pelo acúmulo inútil do passado;
por mais que faça, sempre acumulado
permanece o quefazer em seus assentos,
após as abluções, vem contingenciamentos,
o cão Shitzu a me olhar atravessado,
sempre na espera dessa recompensa
que lhe dou cada manhã, com certo esforço,
não me agradece, nem paga-me respeito...
aqueço a água, sobre a mesa então se adensa
cada talher, cada louça, cada esboço
a que acredito minha esposa ter direito...
MANHÃ ÓRFÃ III
Nada que seja assim tão cansativo:
coloco o queijo, as frutas, a geleia,
em comprimidos parte do dia se alheia,
café e pão, a manhã em roda viva...
Só depois que cada fase assim se ativa
é que me sento, ao final dessa epopeia
e meu próprio café, flocos de aveia
correm na língua a regar cada gengiva...
Mas depois é necessário, novamente
os dentes escovar, tédio frequente
e abrir as portas e janelas para o ar;
gasto uma hora quase nessa ingente
monotonia aborrecida a completar,
enquanto o Sol troça de mim sem se mostrar.