ANANDA / UM CANTO PARA LHASSA
ANANDA (DELÍCIA, LUZ) I – 25 ABR 21
A LUA PINGA LENTAMENTE NOS MEUS OLHOS,
IGUAL COLÍRIO QUE A ALMA ME PRATEIA;
QUANDO O SOL PINGA, A ALMA ME INCENDEIA
E MEU BATEL SE DILACERA NOS ESCOLHOS;
A ALMA TODA BALANÇA NOS ABROLHOS
E NUM CAULE DE ESTRELA SE NOMEIA,
COM SÉPALAS COLAR NOVO SE ALARDEIA
E CONTRA O FURACÃO ERGUE OS ANTOLHOS.
A LUZ DE PRATA QUE PERCORRE O OLHAR
CONSTELAÇÕES ME LEVA A CONTEMPLAR,
CONTRA AS PÁLPEBRAS VERMELHAS TAIS ESTRELAS.
ALGUMA COISA REPENTINA A SE QUEBRAR
CONTRA ESCLERÓTICAS EM PARSIFAIS CENTELHAS,
ENQUANTO AS ÓRBITAS PERMITO-ME ESFREGAR.
ANANDA (DELÍCIA, LUZ) II
MINHA LUA É DOCE TAL COMO UM GLACÊ
E DESENVOLVO NOS OLHOS PALADAR;
ESCUTO O SOM DOS RAIOS CREPITAR,
CHEIRO DE LUA TAL COMO A VISTA A VÊ;
O SOL É MAIS FEROZ, MINHALMA LÊ,
SEM QUALQUER CONDESCENDÊNCIA NO TATEAR,
OS ARREPIOS VERGASTANDO DO LUAR,
JUIZ SEVERO QUE SUPERIOR SE CRÊ.
O ZÉFIRO É MAIS MANSO, SEM CONSTÂNCIA,
VEM ASSOPRAR PARA LONGE A SOLARIA,
EMPURRA ÀS VEZES PARA DENTRO A LUARIA,
TRAZENDO À TONA AS SENSAÇÕES DE INFÂNCIA,
DESDE O BERÇO A CLARABÓIA A DESVENDAR,
PEQUENO AINDA PARA AS LUZES APANHAR!...
ANANDA (DELÍCIA, LUZ) III
MAS SE DELÍCIA EXISTE, ESTÁ NA LUZ,
A TREVA É AMARGA, CONSORTE SEMIDOCE,
A CONCUBINA A BEIJAR-ME EM AGRIDOCE,
MELHOR A TREVA DE ANTANHO ME CONDUZ,
POIS HOJE ANDO NO ESCURO COMO EM CRUZ,
MEUS BRAÇOS ESTICADOS TOMAM POSSE
DAS SUPERFÍCIES, SEM QUE JAMAIS REMOCE,
A TODOS OS CORREDORES ME PERLUZ-
-TRA OS PASSOS, BUSCANDO LUME ALÉM;
BATE NAS VISTAS A ME CEGAR TAMBEM,
SEMPRE MELHOR ANDAR DE OLHOS FECHADOS;
EU CHAMO A LUA, MAS ELA NÃO ME VEM
E NO SEU PÊNDULO UM IOIÔ AO SOL SUSTÉM,
SÓ O VENTO IRÔNICO A LAMBER-ME SEM CUIDADOS...
UM CANTO PARA LHASSA I – 25 ABR 21
“Oh tuntarey tutareh turessoa...”
Nos meus ouvidos o canto tibetano
distrai a alma sem me causar dano:
um retalho de paz em mim ressoa.
Todo ao redor de mim o canto voa
e nem sei o quanto diz o som arcano,
algo agradável e levemente insano
esse mantra sem sentido que ali soa.
Que diferença faz, se sei ou não
de tais palavras o real significado,
tampouco entendo o tilintar dos banjos,
que todavia me alegra o coração,
só sei me agrada ouvir o som alado,
bem mais humano que o bramir dos anjos.
UM CANTO PARA LHASSA II
E nessa ladainha, eu canto o Não
e pelas ventas suspiro meu Talvez,
a luz perdida na tibetana tês,
a luz achada permeio ao furacão.
E nesse revoltório se assa o pão,
ao invés de farinha, eu como grês,
os mantras a soar-me tal qual pês,
campainhas e moinhos de oração.
Em cada volta que lhes dou eu canto o Sim,
a revolver-se na pista do Quem-sabe,
cada Quiçá a prometer-me o Nada,
que de mim próprio dever-se-ia Assim
esquecer-me que no peito não me cabe
essa janela que só em ilusão foi dada.
UM CANTO PARA LHASSA III
Sempre é um vício como outro qualquer
que o pensamento se perca da oração,
monotonia que até afronta o coração,
são meus hormônios ativado malmequer.
Se as litanias praticar a mente quer,
os seus desejos mais se apegam a canção;
não saberei se algum nirvana me darão,
ou se no tau não me resta mais sequer
um instigar de mim, que sou ocidental
e no passado só abrigo o romantismo,
enquanto marcho sem querer para o futuro,
sem acolher um monocórdio tão fatal,
meus sonhos a malhar em cataclismo,
sem qualquer mantra a pretender-me puro.