QUANDO A PRISÃO CHAMA &+
QUANDO A PRISÃO CHAMA I – 18 AGO 2020
AMOR É MEIO PRANTO E MEIO RISO,
ESSE CHORO ÀS AVESSAS QUE PENETRA
NO CANAL LACRIMAL E A DOR QUE ENCETRA
A NOVA REALEZA EM SOM CONCISO.
TAMBÉM O SISO SE PRENDE NESSE RISO
OS INCISIVOS MOSTRADOS COMO TETRA
A LÍNGUA ESQUIVA QUE SÚBITA SE ALVITRA,
ESSE PEQUENO INFERNO EM PARAÍSO,
AMOR O SAL DO MAL QUE SE DESATA,
A COR DA DOR QUE DE POTENTE MATA,
A LUZ DO PUS QUE DORME NA FERIDA,
O TOM DO SOM QUE A PRÓPRIA ALMA OLVIDA,
A SÉ DA FÉ QUE A INVESTIDURA CATA,
ESSA PRECE SEMPRE DITA E NUNCA CRIDA!
QUANDO A PRISÃO CHAMA II
CONTUDO, NO INSTANTE INESPERADO,
QUANDO A GRANADA EXPLODE EM TEU OLHAR,
TUDO AO REDOR DEIXADO A TREMULAR,
UMA BANDEIRA AO VENTO DESFRALDADA,
TRAÇO DOS DEDOS SOBRE A PELE NÃO TOCADA,
SONHO OU VAPOR O TATO A TE ALCANÇAR,
UM REFLEXO POTENTE A SE GRAVAR,
UM SOM PARELHO A POMBAL EM REVOADA,
MAS QUE NO OLFATO SE FAZ MAIS TRIUNFANTE,
DESENCADEANDO PRIMAVERAS SOLFERINAS,
NESSA ARMADILHA COMPLETA PARA MIM,
QUE CONDENADO FIQUEI NO MESMO INSTANTE
QUE TEU PERFUME CONQUISTOU MINHAS NARINAS,
FEITO DE ALMÍSCAR, ALOÉS E BENJOIM!
QUANDO A PRISÃO CHAMA III
E QUANDO AMOR DE FATO SE EMBARAÇA,
TENTÁCULOS A ENVIAR PELA FARINGE,
SABORES OCLUDINDO NA LARINGE,
NADA MAIS RESTA QUE ACEITAR-LHE A TRAÇA,
ENQUANTO O TRESCALAR DANÇA E REPASSA
E ATÉ O FUNDO DOS OLHOS NOS ATINGE,
NA INDIFERENÇA QUE SÓ UM INSTANTE FINGE,
POIS DA RAZÃO TODO O CRISTAL SE EMBAÇA.
É NESSE INSTANTE QUE A ALMA INTEIRA VOA
E SE ENTRELAÇA NA MAIS COMPLETA PEIA,
CONTRA ESSA ALMA DE PEGAJOSA TEIA,
A ESCRAVIDÃO ACEITANDO COMO BOA,
NESSA ENTREGA DE PÉS E MÃOS ATADOS,
AOS SUAVES BEIJOS DE TONS AVERMELHADOS!
CADUCEU I – 19 AGO 2020
Quem costumava usar um caduceu
Era Hermes ou Mercúrio, mensageiro
Dos deuses, mas tambem sendo o padroeiro
Dos comerciantes, a quem sempre protegeu;
Mas não somente, que afirmavam seu
Próprio padroeiro os ladrões! Se é lisonjeiro
Para o comércio, não sei, que interesseiro
É o lucro para quem algo te vendeu!
E de algum modo, o Deus da Medicina
Também seu próprio caduceu emprega,
Bem mais elaborado... tem serpentes,
Indicando a sabedoria a que se inclina
E com as asas Esculápio alega
Quanto suas curas sejam diligentes...
CADUCEU II
Tudo pensado, é bom reconhecer
Que alguns venenos se dão como remédio,
Se bem que em excesso, já curem todo o tédio,
Sem ser preciso nova dose receber...
E que afinal, também Amor a nos vencer
É um tipo de veneno nesse assédio;
Se em doses brandas, tem domínio médio,
Mas normalmente é imenso o seu poder!
Quem deveria, segundo a tradição,
Trazer amor para o nosso coração
É esse deus que dizem ser ceguinho!
Mas quem nos caça com bastante diligência
É esse Hermes de divinal potência,
Seu caduceu a enlaçar-nos de carinho!
CADUCEU III
Destarte Amor é essa ilusão de antanho
Com que Eros e Hermes nos manobram
E da humanidade inteira cobram
Plena obediência a seu poder tamanho!
Mas em tua ausência, eu sinto-me tacanho,
Meus sentimentos todos se redobram,
Enquanto os dois sobre meu peito obram,
Ali abrindo o mais profundo lanho...
Teu coração pulsante o meu asilo,
Vapores de alma nesse exoterismo,
Boca com lábio a murmurar segredos;
E o próprio cerne do peito então esquilo,
Que então penetres em delicado cismo,
De meu espírito a afastar todos os medos...
CADUCEU IV
E novamente eu sinto essa ilusão antiga,
Só de te reencontrar no mesmo e velho asilo,
Asilo de teu peito, na guarda de teu silo,
Asilo na emoção que sinto e que nos liga!
E novamente usando do exoterismo a giga.
Exótico espetáculo em teia de berilo,
Segredo de nós dois, a mais ninguém abri-lo,
Segredo em véu sagrado que só a nós dois abriga!
Na mesma arguta e vaga e estranha exaltação,
Tisana tão melíflua, um chá de coração,
Bebida amarfanhada em canto sem história,
Que as frases proferidas sabor não têm de glória,
Apenas nos revelam ardor bem mais profundo,
De sermos um da outra, sem pejo neste mundo!
FALQUEJAMENTO I – 20 AGO 20
Quando um galho se mostra irregular,
com muitos nódulos, ramos ou raminhos,
é necessário, para empregos comezinhos,
todas essas projeções se desbastar.
Só assim serve para o fim a desejar,
sem sofrer obstrução de mil galhinhos,
reto e adequado, podados seus espinhos,
na armação desejada a se enquadrar.
De forma idêntica, se alguém se mostra avesso
às exigências do comum social,
sempre existe quem o queira falquejar!
Não obstante, de resistir não cesso,
as minhas arestas são meu dote natural,
a me esvair se por acaso alguém cortar!
FALQUEJAMENTO II
Sendo teimoso, eu tendo a rejeitar
muito que os outros afirmam ou desejam,
não por capricho contra isso que almejam,
mas simplesmente por tais coisas não gostar.
Dificilmente me deixo influenciar,
especialmente quando me falquejam,
mas se me agrado das coisas que me ensejam,
delas posso facilmente me apossar!...
Contudo, tendo a conservar distância,
quer de advertência, quer de um ouropel,
se em minha própria liberdade se intromete,
e quando insistem com tal abundância
a que se deva empregar o álcool-em-gel,
tomo um partido feroz do sabonete!
FALQUEJAMENTO III
Pois certamente me oponho à prepotência,
em um país que democrático se diz:
máscara me força a pôr que nunca quis
e a alcoolgelar as mãos com tal frequência!
O que me deixa com rasgos de impotência
é não poder sequer tocar no meu nariz!
E através das experiências que já fiz,
sei que o gel causa na vista vasta ardência!
Dá a sensação de falsa segurança
e a tentação de se tocar nos olhos,
os meus princípios assim a falquejar;
o antisséptico sabão real mudança,
tais ordenanças a resultar de antolhos,
que mais ajudam ao tal vírus se espalhar!
FALQUEJAMENTO IV
Naturalmente, vivendo em sociedade,
caso contrário a escutar suas ameaças,
máscara ponho ao atravessar as praças,
por mais me sinta mutilado na verdade.
E ainda me forçam a alcoolgelicidade,
meus pobres dedos em ásperas desgraças!
E nem sequer te beijo quando passas,
para onde foi a anterior cordialidade?
Vejo um retorno à minha adolescência,
quando as mulheres beijavam só parentes
e mesmo em amigas só as faces encostavam...
Sem que exista algum pudor na violência,
somente ouviram afirmações prementes:
ovelhas passam por onde outras caminhavam!